Título: Sul do Brasil é dependente do cultivo do fumo, aponta estudo
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/05/2005, Vida &, p. A17

Um levantamento do Banco Mundial e da Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta para o aumento do peso político e econômico do tabaco no sul do Brasil. Segundo o estudo, o sistema de produção do fumo e os incentivos dados pelos governos locais às empresas multinacionais do cigarro levaram ao crescimento, nos últimos anos, da dependência da região ao tabaco. A OMS, que hoje marca o Dia Mundial sem Tabaco, aponta que essa dependência deve ser revista, principalmente agora, em um momento de redefinição do setor e da necessidade de diversificação da produção agrícola na região. Um acordo assinado na OMS estipulou uma estratégia internacional para o controle do cigarro, o que tem provocado preocupações entre os agricultores brasileiros, que temem por uma queda da demanda por seus produtos.

O Brasil até agora não ratificou o acordo e está sendo pressionado pela OMS para fazê-lo. O problema é que os produtores, aliados às empresas, estão conseguindo evitar a votação do texto no Congresso. "Essa situação precisa ser superada", afirma a brasileira Vera Luiza da Costa e Silva, diretora do programa antitabaco da OMS.

Segundo o estudo, o Brasil se tornou nos últimos anos o segundo maior produtor de fumo do mundo, ultrapassando a Índia, e se consolidou como maior exportador. Entre 1998 e 2002, o País conseguiu aumentar as exportações em mais de 50%.

A tendência tem sido a de transferir a produção das grandes empresas para os países em desenvolvimento, em parte graças aos custos mais baixos, mas também em busca de uma ampliação dos mercados e dos incentivos dados pelos governos. Hoje, 82% da produção mundial do tabaco ocorre nos países em desenvolvimento. Em 1962, essa proporção era de 51%.

Entre 2000 e 2002, o número de pessoas trabalhando nas plantações de fumo no País aumentou 13%, chegando a um total de 153 mil famílias no Sul. As empresas também passaram a atuar em novas áreas, aumentando o uso da terra para o tabaco em 26% nesse período. O volume de folhas teria aumentado 30%, mas o preço de venda do produto dos agricultores para as companhias teria permanecido praticamente inalterado.

De acordo com o estudo, o que se observa é um sistema de produção que cria uma dependência do pequeno agricultor e até de prefeituras em relação às empresas. Por um contrato, estas fornecem sementes, transporte para a produção, fertilizantes e conselhos técnicos, além de controlar os empréstimos bancários dos agricultores. Já o produtor se compromete a entregar um certo volume de tabaco, com a qualidade e os custos definidos pela empresa compradora. Para os especialistas, isso significa o controle da companhia sobre o agricultor, além de direitos exclusivos sobre sua plantação.

INVESTIMENTO

O estudo indica, ainda, que o peso político do tabaco na economia do Sul tem impedido a execução de políticas públicas voltadas à substituição de cultivos. Em vez disso, o que os especialistas observam é que, em lugares como no Vale do Rio Pardo, investimentos são feitos pelas prefeituras para dar infra-estrutura ao aumento da produção. Em algumas cidades, subsídios foram dados para a instalação de empresas multinacionais do tabaco e Santa Cruz do Sul chegou a investir em um distrito industrial para elas.

O levantamento aponta ainda que, nos anos 90, incentivos fiscais foram dados pelo governo do Rio Grande do Sul a empresas bilionárias, como Souza Cruz, Universal Leaf e Phillip Morris. Segundo o estudo, só a Souza Cruz recebeu, nessa década, US$ 900 milhões para construir um complexo de processamento de fumo e uma fábrica em Santa Cruz do Sul e Cachoeirinha. Já o BNDES teria destinado nos últimos anos US$ 56 milhões para financiar a construção de infra-estrutura para 14 mil agricultores do setor.

Apesar dos obstáculos, o estudo aponta que a substituição da produção é ainda viável. Os exemplos vêm de Santa Cruz (RS) e de Schroeder e Santa Rosa de Lima, cidades de Santa Catarina, onde iniciativas para diversificar a produção foram lançadas.

CAMPANHA E PRÊMIO

Para marcar o Dia Mundial sem Tabaco, a OMS lança hoje uma campanha internacional para pedir que os profissionais do setor da saúde se engajem nessa luta. A idéia é que eles alertem todos seus pacientes sobre os riscos do fumo. Estudos mostram que um conselho desses profissionais pode reduzir até 50% consumo do cigarro. Para Vera Luiza, esses profissionais são modelos para a sociedade e podem ter papel importante no combate ao fumo.

Neste ano, a OMS escolheu uma brasileira como uma das vencedores do prêmio anual da entidade pela luta contra o tabaco. A escolhida foi Paula Johns da Rede de Desenvolvimento Humano.