Título: Separar o joio do trigo
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Fonte: O Estado de São Paulo, 02/06/2005, Notas & informações, p. A3

Com manifestações nos principais Estados produtores, os agricultores pretendiam chamar a atenção do País para as dificuldades que estão enfrentando. Longos comboios formados por tratores, caminhões e ônibus que se dirigiram a sedes regionais de órgãos do governo federal que atuam na área agrícola, estradas fechadas e interrupção de atividades bancárias serviram para mostrar o descontentamento dos produtores rurais de diferentes regiões. Registraram-se atos de protesto em Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, Rio Grande do Sul, São Paulo, Minas Gerais, Tocantins, Bahia, Maranhão, Pará e Piauí. São muitas, de fato, as dificuldades que o campo enfrenta. Queda dos preços internacionais de importantes produtos, aumento dos custos, câmbio desfavorável para as exportações e, em algumas regiões, a quebra da produção provocada pela seca mudaram o ambiente no campo. A crise ocorre depois de três anos em que a produção bateu recordes sucessivos e propiciou o crescimento da renda do campo. Com a mudança da situação, os produtores agora reivindicam, entre outras coisas, renegociação de suas dívidas e garantias para o plantio da safra 2005-2006.

Para muitos agricultores, a situação tornou-se insustentável, o que deu um tom dramático aos protestos e os tornou ainda mais significativos. Mesmo assim, nessa questão o governo deve agir com frieza e racionalidade, examinando cada situação que lhe for apresentada e apoiando de maneira eficaz aqueles que efetivamente necessitam de ajuda. Mas é preciso separar o joio do trigo.

Os representantes dos agricultores no Congresso, reunidos na "bancada ruralista", conseguiram, em diferentes momentos, impor ao governo a renegociação das dívidas dos produtores. De acordo com estimativas do Ministério da Agricultura, divulgadas pelo jornal Valor, o estoque das dívidas renegociadas é de cerca de R$ 30 bilhões. Mas, mesmo renegociadas em condições muito vantajosas para os devedores, essas dívidas, em boa parte, não estão sendo pagas.

O caso do Banco do Brasil é notável. De seus empréstimos de R$ 10,1 bilhões que não são pagos há mais de 60 dias, 90% se referem a compromissos parcelados na renegociação concluída em 2001. E a maior parcela da dívida não paga é de responsabilidade de médios e grandes agricultores, visto que apenas 5% do total em atraso correspondem a contratos de valor inferior a R$ 50 mil.

No início deste ano, pela primeira vez, o governo Lula cedeu à pressão dos ruralistas e prorrogou os empréstimos concedidos pelo BNDES para investimentos e os financiamentos com recursos do Fundo Constitucional do Centro-Oeste. A fragilidade política do governo Lula o torna particularmente vulnerável a pressões. E a bancada ruralista sabe disso. Alguns de seus expoentes, como o deputado Ronaldo Caiado (PFL-GO), presidente da Comissão de Agricultura da Câmara, participaram dos protestos e garantiram que, se o presidente da República não atender às reivindicações dos agricultores, novas manifestações serão realizadas em Brasília neste mês.

O governo deve identificar as pressões vindas do grupo que vai se consolidando como uma "bancada da renegociação permanente" da dívida dos agricultores, e resistir a elas, pois o que essa bancada quer é repetir boa parte dos acordos recentes, que foram excessivamente generosos com os devedores.

Os produtores esperam do governo um programa que cubra todo o prejuízo em que incorreram, e que estimam em mais de R$ 15 bilhões. Por isso, consideram como paliativas medidas complementares às tomadas em março e que podem totalizar R$ 2 bilhões. É preciso observar, porém, que o risco é inerente à atividade rural. Em casos excepcionais, como os dos produtores das regiões atingidas pela seca, o governo deve apoiá-los, tomando o cuidado de não ferir as normas internacionais de comércio - e, nesses casos, agir com maior rapidez e eficiência do que tem mostrado em outros programas de apoio à produção.

O País ganharia se os problemas atuais da agricultura estimulassem os envolvidos - governo, produtores e sistema financeiro - a reduzir os riscos do agronegócio, por meio da ampliação do seguro rural. Para a imensa maioria dos agricultores, o seguro continua sendo apenas uma boa idéia que, de tempos em tempos, é colocada em discussão.