Título: Contra a CPI, o cofre
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/06/2005, Editoriais, p. A3

Dias depois de rebentar o escândalo dos Correios, o presidente do PT, José Genoino, lançou a idéia de "requalificação" da base aliada no Congresso. Ele não disse com todas as palavras, mas a sugestão era de que o Planalto deitasse ao mar o que seria a banda podre do bloco governista, para reduzir o risco de ser atingido pelas denúncias de malfeitos atribuídos aos seus membros. Com isso, o governo perderia na Câmara algo como 100 dos 353 votos de que dispõe, ao menos no papel. Parte das perdas seriam compensadas mediante novos arranjos com o PMDB e os partidos da oposição de esquerda ao presidente Lula. O primeiro efeito do balão-de-ensaio foi um bumerangue, sob a forma de uma represália. Apenas 24 deputados da base (excluídos os do PT) cederam aos apelos do Planalto e retiraram as suas assinaturas do requerimento da CPI. As demais 72 ficaram. Agora, o jogo pesado para matar a investigação parlamentar, antes que se instale, varre de cena completamente essa história de maioria qualificada. O que o governo quer é maioria. A qualificação ética de seus integrantes é o de menos.

Para ter certeza de que, conforme as previsões, 40 dos 61 membros da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara votarão pela inconstitucionalidade da CPI (supostamente por falta de "fato determinado") e pelo menos 250 dos 513 deputados endossarão o seu parecer, o Planalto recorreu com força total aos métodos que só podem desqualificá-lo perante a opinião pública. Pôs-se a trocar na CCJ os membros que talvez vacilassem entre a obediência e o apoio a um inquérito reclamado pela sociedade. E escolheu a dedo o relator do recurso contra a CPI - o deputado Inaldo Leitão, do PL paraibano, para quem o inquérito é "um exagero".

De seu lado, o titular da Fazenda, Antonio Palocci, dizendo a que veio como o novo articulador político sênior do governo, expôs o mais persuasivo dos argumentos para apaziguar os eventuais recalcitrantes: a fisiologia. Tido como o ministro mais distante do balcão de negócios do Executivo, ele não se pejou de prometer que liberará R$ 1,5 milhão das verbas das emendas parlamentares ao Orçamento do ano passado para cada deputado que votar pela derrubada da CPI. Quem deu a notícia foi o qualificado líder do PL, Sandro Mabel, depois de se reunir com Palocci - quanto mais muda, tanto mais é a mesma coisa, é o caso de dizer.

Enquanto o mentor da austeridade fiscal se prepara para soltar mais de R$ 400 milhões, os aliados não cabem em si. "Estamos unidos em determinadas questões que o governo antes não queria entender", anunciou um reconciliado Mabel. Nada mais propício do que esse elevado entendimento político para superar desavenças - sobretudo quando as partes não sabem o que pode cair na rede de uma CPI. "Quando surge um inimigo externo, todos se unem", filosofou o deputado Luiz Antônio Fleury Filho, do PTB, ex-governador de São Paulo. O líder da sua bancada, o pernambucano José Múcio Monteiro, concorda: "A crise juntou todo mundo."

"Todo mundo" menos aqueles companheiros a quem o ministro da Casa Civil, José Dirceu, chamou "dissidentes", ao aconselhá-los a sair do PT (antes, presumivelmente, de serem saídos). Já começaram as punições às ovelhas negras - os 14 deputados e o senador Eduardo Suplicy que assinaram o pedido da CPI, não estando proibidos de fazê-lo. O senador foi sumariamente removido da chapa pela qual José Genoino deverá se reeleger no comando do partido. Outro nome riscado foi o do deputado paulista José Eduardo Cardozo. Ele não apoiou a CPI mista, mas, aparentemente, queria um inquérito restrito à Câmara. Desligado, renunciou à vice-liderança da bancada.

Quanto aos 14, para que se animem a fazer as malas, o PT já fez saber que poderão ser excluídos da sua lista de candidatos à Câmara, em 2006. Em suma, "baixou o centralismo", que é como os comunistas se referiam, numa paródia do conceito de "centralismo democrático" que regeria as decisões do partido, à exigência de concordância absoluta com as diretivas da cúpula, sob severas penas em caso de transgressão. O que intriga é a cega confiança do governo em que o eleitor já terá esquecido isso tudo quando a reeleição de Lula for a votos. Falta combinar com a oposição e a imprensa independente.