Título: Agora, Lula diz que não haverá 'misericórdia' para aliados
Autor: Leonencio Nossa
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/06/2005, Nacional, p. A4

Não haverá "misericórdia" para aliados envolvidos em denúncias de corrupção, avisou ontem o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele está preocupado com a associação das denúncias à imagem do governo. "Isso não pega em mim. Quem cometeu irregularidade ou tem culpa no cartório que pague o preço", disse, num desabafo a ministros próximos.

"Não sou conivente de forma alguma." A ordem do presidente - um ato de afirmação, como ele diz - ficará clara na reunião desta tarde, no Palácio do Planalto, com ministros da coordenação política. Da mesma forma que reclamou de julgamentos precipitados quando surgiram as denúncias contra o aliado e presidente do PTB, Roberto Jefferson, Lula avalia agora que é preciso mostrar que o governo não é "conivente" ou "cúmplice" em casos de irregularidades - o que marca uma mudança em seu discurso.

Sem disfarçar "extremo constrangimento" com as denúncias de cobrança de propina no IRB e nos Correios, o presidente não aceita a tese de que há uma crise institucional no País. "O País não parou", repete ele.

Ele demonstra tranqüilidade com a possível ida do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, ao Congresso para comentar liberações de emendas parlamentares para impedir a instalação da CPI dos Correios.

Ontem, num evento no Parque da Cidade em Brasília, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, fez um discurso na linha pedida pelo presidente. Ela disse que tem responsabilidade em "extirpar o tumor" da corrupção no Ibama, que envolveria petistas. Também o presidente do PT, José Genoino, disse que haveria cortes "na própria carne" do partido.

Ao mesmo tempo que pede rigor no combate às irregularidades, Lula dá ordens para que a agenda do governo não seja defensiva e não se limite às questões envolvendo a CPI dos Correios. A agenda deverá ser pautada por realizações na área de infra-estrutura.

CAPAS

Na semana passada, o presidente mandou um funcionário do Planalto obter capas de edições da Veja publicadas na época do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), com escândalos de corrupção. Depois de mandar espalhar as revistas na mesa do gabinete onde se reunia com ministros, Lula disse: "Tá vendo, aconteceu muita coisa, nem por isso o governo dele parou". Lula ressaltou, no entanto, que as denúncias que surgirem não devem ser subestimadas. "Todas devem ser investigadas."

O que aborrece o presidente desde o início do governo é o noticiário e a repercussão das operações da Polícia Federal, que seguem orientação do governo. A impressão, dizem pessoas próximas a ele, é que a PF é um órgão autônomo. Na verdade, continuam os palacianos, a polícia só está executando uma determinação de Lula. O governo não reage só por causa das denúncias nos Correios, as ações ocorrem há tempo, avaliam. O Planalto considera uma "mentira deslavada", por exemplo, a versão de que a ministra Marina Silva foi surpreendida pela Operação Curupira, que prendeu até petistas ligados a madeireiros. "Parece até que a PF atua contra o governo, o que não é verdade", afirmou um dos interlocutores do Planalto.

Na última sexta, o próprio presidente teve que acalmar subordinados, apreensivos com os ataques das revistas no fim de semana. "Calma, pessoal. Vamos esperar o que vai aparecer. Boato não ajuda nada", afirmou. Lula foi aconselhado a não participar hoje do lançamento de um plano de financiamento de moradia popular em São Paulo. Decidiu ir, certo de que o que importa é sua "trajetória de homem ético", nas palavras de um funcionário do Planalto. Para mostrar serenidade e tranqüilidade, Lula terá um encontro no palácio, antes da reunião da coordenação política, com o jogador Ronaldo, do Real Madri. E amanhã, Lula abre o IV Fórum de Combate à Corrupção, organizado pela Controladoria Geral da União. Pelo menos três governadores já confirmaram presença: Wellington Dias (PI), Jorge Viana (AC) e Zeca do PT (MS).