Título: A `CPI de Jefferson¿
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Fonte: O Estado de São Paulo, 09/06/2005, Notas & informações, p. A3

O tempo dirá se o 7 de junho de 2005 será um marco na história do governo Lula e um divisor de águas no comportamento do presidente da República. Nesta terça-feira, passados 24 dias da eclosão do escândalo dos Correios, ele fez o que deveria ter feito nas 24 horas seguintes ¿ e foi além. Acolhendo as ponderações do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, cada vez mais o seu interlocutor preferencial, destituiu não apenas a diretoria da empresa, como também a do Instituto de Resseguros do Brasil (IRB), a segunda estatal a ficar sob suspeita de servir de fonte de recursos para um partido político. De comum acordo com os seus mais próximos companheiros palacianos, ordenou ao PT que cessasse de se opor à CPI dos Correios. Por fim, pronunciou um discurso que nem de longe lembrou a ¿quase lógica¿ de seus recorrentes improvisos eleitoreiros. Melhor tarde do que nunca, Lula parece ter tomado consciência da futilidade de tentar aplacar a indignação da opinião pública com as cenas documentadas de corrupção nos Correios e com as bombásticas acusações do deputado Roberto Jefferson sobre a mesada que o PT teria pago até bem pouco aos aliados do PL e do PP na Câmara. No primeiro caso, perdeu a batalha da comunicação ao sustentar que a Polícia Federal, a Controladoria-Geral da União e o Ministério Público tudo apurariam, lancetando o tumor e tornando ociosa uma investigação parlamentar. No segundo caso, desmoralizou-se ao instruir o ministro da Coordenação Política, Aldo Rebelo, a dizer que o assunto não dizia respeito ao governo, mas às relações entre os partidos, como se um não estivesse no poder e os outros não servissem ao Planalto. Se continuasse a ser o Lula que não se abalou com os rumores sobre a existência, em plena Câmara, de um caixa especial do PT para uma seleta clientela ¿ o que já lhe foi dito há 1 ano pelo menos ¿, ele confirmaria as previsões de que aproveitaria a abertura de um fórum internacional de combate à corrupção, anteontem, para descrever exaustivamente as mil e uma iniciativas sem precedentes do seu governo na matéria, a fim de atestar a sua incolumidade no plano ético. Mas não. No que talvez tenha sido a fala inaugural de um novo Lula, invocou a biografia que tem a preservar e soou convincente, apesar do chavão, ao prometer ¿cortar na própria carne¿. Avocando o problema a si, o que jamais fizera de modo tão cristalino, postulou: ¿O que está em jogo é a respeitabilidade das nossas instituições, das quais sou o principal guardião.¿

Agora, as condições estão prontas para ele passar das palavras aos atos, na arena onde serão testadas pela primeira vez ¿ o Congresso Nacional. O seu desafio é conduzir o seu partido a uma segunda mudança de linha. Se Lula lhe impôs a adesão à CPI em preparo, deve levá-lo a desistir de querer confinar as suas apurações ao âmbito das traficâncias no serviço postal. Há um nexo evidente entre extorsão de propina nos Correios, cobrança de mesada no IRB e pagamento de mesada na Câmara.

Quanto mais não seja porque, nos três casos, o ator principal é o mesmo, embora os seus papéis possam variar: é a CPI de Jefferson que precisa existir para mergulhar nesses e decerto em outros espaços encharcados de corrupção, cujos ocupantes a sociedade clama por ver identificados e punidos. Sustentar que a Corregedoria da Câmara é o âmbito adequado para investigar o ¿mensalão¿ é uma falácia.

Em setembro do ano passado, o corregedor arquivou a toque de caixa denúncia a respeito só porque o autor deu o dito pelo não dito. Além disso, o novo e espalhafatoso denunciante, que deveria dar o nome à imprescindível CPI, insinua que não contou da missa a metade. Um político disse ter ouvido dele que tinha em seu poder 51 fitas comprometedoras ¿ não se sabe para quem. Pode ser bazófia, mas dá idéia do que esse veterano de outras batalhas inglórias há de ter armazenado para não cair sozinho em desgraça. ¿O que está em jogo¿, como diria Lula, é mais do que uma corregedoria ou uma comissão de ética pode dar conta.

Tampouco faz sentido um segundo inquérito concomitante ¿ a CPI do mensalão. E é transparente diversionismo a intenção do PT de instaurar, agora, uma CPI da Compra de Votos, regredindo até a emenda da reeleição de Fernando Henrique. Não se engane o presidente Lula: a sua reeleição passou a depender de suas ações contra a corrupção.