Título: Escândalo ainda não atingiu a essência da política econômica
Autor: João Caminoto
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/06/2005, Economia, p. B3

O escândalo do mensalão abalou o dólar, a bolsa e os títulos da dívida externa. Mas, pelo menos por enquanto, o imbróglio poupou os fundamentos da economia. Economistas, analistas do mercado e empresários ouvidos pelo Estado afirmam que a crise ainda se restringe aos ativos financeiros, mais sensíveis a boatos e volatilidade. Os fundamentos econômicos do País, como o índice de inflação, crescimento e emprego, escaparam ilesos da turbulência política. "Os fundamentos econômicos são suficientemente sólidos para escapar de conseqüências mais graves", diz Celso Toledo, economista-chefe da MCM Consultores. Fosse há uns quatro anos, quando a vulnerabilidade externa do País era maior, o estrago seria bem maior. "Não fossem nossos fundamentos sólidos, o risco país teria subido 200 pontos, em vez dos 40 pontos que subiu."

Mas os escândalos podem contaminar o cerne da política econômica se a crise não for resolvida logo. Segundo Toledo, o País passa por um período de estresse, que atinge os termômetros de curto prazo, como taxa de câmbio e risco País. "Agora, se a crise persistir ou se agravar muito, veremos conseqüências sobre inflação e juros", diz Toledo.

O timing da crise política tem aspectos positivos e negativos. Por um lado, a crise política se agrava justamente no momento em que o crescimento econômico dá sinais claros de desaceleração, como mostram os últimos números do IBGE.

Por outro, o País está muito mais resistente a esse tipo de crise.

MENOS VULNERÁVEL

A vulnerabilidade externa caiu muito - o País tem superávit em conta corrente e balança comercial recorde, o que reduz a possibilidade de efeitos catastróficos de grandes apostas contra o real.

Ao mesmo tempo, o mundo colabora. A situação de liquidez no mundo continua muito favorável. O rendimento dos títulos americanos ainda é muito baixo, o que leva investidores a continuarem buscando rentabilidade nos papéis de emergentes. Por isso, eles fecham os olhos para certos tropeços.

"Na atual conjuntura, a crise política está sendo praticamente ignorada por alguns investidores, que apostam na solidez macroeconômica do País", diz um analista.

Mas o momento é delicado, alertam especialistas. Segundo Dirceu Bezerra, sócio-diretor da Rosenberg & Associados, já existia uma crise política antes do atual imbróglio. "Mas, como o quadro econômico estava robusto e o cenário internacional estava muito positivo, não tinha havido contaminação", lembra. Agora, diz Bezerra, o panorama não é tão benigno.

Segundo ele, a economia mundial deve ficar mais avessa a riscos nos próximos meses, o que pode levar o risco Brasil ao patamar dos 500 pontos. "O problema é que o governo não vai poder fazer nenhum pacote emergencial, porque não tem base de apoio para aprovar uma medida dessas", diz. A crise política, portanto, restringe os instrumentos disponíveis para contrabalançar uma situação internacional menos favorável.

Outro senão é que falta apenas um ano e meio para o mandato do presidente Lula acabar e, segundo o economista, não dá mais tempo de as reformas avançarem. "E falta muita coisa para transformar o crescimento em um processo sustentado - a reforma trabalhista, para reduzir os encargos, a reforma política."

Para Bezerra, o governo está entrando em terreno movediço. O País está no fim de um período de crescimento cíclico, não sustentado, e está diante de uma potencial crise política e um provável aperto de liquidez externa.

Outro risco é a instabilidade política levar o governo a um afrouxamento da política econômica. Para garantir a governabilidade, o Planalto pode se sentir tentado a distribuir verbas e reduzir as taxas de juros.

Na opinião de Júlio Sérgio Gomes de Almeida, diretor-executivo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), o único perigo é de queda no investimento estrangeiro direto, "por medo e desconhecimento". "Todo mundo sabe que nós temos um lixo político", diz. "Já a economia, que a gente sempre critica, ainda é muito superior à política."

Luis Fernando Lopes, economista-chefe do Pátria Banco de Negócios, acha que a deterioração política começou já no ano passado, com os casos Waldomiro e Vampiros da Saúde. E os empresários estão cada vez mais assustados.

Segundo analistas, uma das conseqüências da instabilidade é reduzir a propensão ao consumo. Com o clima das denúncias, o consumidor fica com medo de perder o emprego, o industrial adia investimento e todo mundo põe o pé no freio.

POPULISMO

"O risco é o escândalo continuar, envolver pessoas-chave no governo e causar algum tipo de revolta na população", pondera Tomas Malaga, economista-chefe do Banco Itaú. "Com isso, nas próximas eleições, a população pode eleger algum candidato mais populista."

O mercado financeiro, que tanto esperneou às vésperas da eleição de Lula, agora prefere a continuidade do presidente petista no poder a candidatos populistas. Nomes menos ortodoxos, como Anthony Garotinho e Roberto Requião, causam arrepios à maioria dos analistas, pois complicariam a administração da dívida pública e predisporiam ao rompimento de contratos.