Título: Mercado teme crise prolongada
Autor: Daniela Milanese, Graziella V. e Silvia Fregoni
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/06/2005, Investimentos, p. H1

É praticamente consensual entre os analistas econômicos: a crise política ainda não representa ameaça à política econômica e tem efeitos limitados no curto prazo, mas, dependendo de sua duração e de seus desdobramentos, poderá afetar o potencial de crescimento do País no médio e longo prazo. No curto prazo, acreditam, pode até ocorrer um efeito oposto. "Há uma percepção de que o presidente não cederá à pressão de seus aliados e de alguns empresários por mudanças. Até porque em momento de crise não se muda política econômica", afirmou o ex-ministro da Fazenda e sócio da Tendências Consultoria, Maílson da Nóbrega, que também descarta uma crise institucional. "Essa crise é a mais séria desde que este governo tomou posse, mas as instituições são fortes o bastante para agüentar qualquer tranco", disse.

Porém, caso a crise se prolongue, o chamado "PIB potencial", que é a capacidade-limite de um país crescer sem inflação, poderá diminuir. Esse limite hoje estaria entre 3% e 3,5%, segundo o economista-chefe do banco Pátria, Luis Fernando Lopes. Para o Brasil obter um crescimento "espetacular" de 5% a 6%, Lopes afirma que seriam necessárias novas rodadas das reformas tributária, da Previdência e do Judiciário. O temor dos analistas é que um eventual prolongamento da crise paralise o Congresso e impeça o avanço da agenda de mudanças.

O economista Nuno Câmara, do banco Dresdner Kleinworth, Wasserstein (DKW), também não vê maiores problemas para a economia no curto prazo, mas afirma que "o ritmo e a duração do crescimento poderão ser afetados" se a crise se prolongar. Câmara cita a autonomia do BC e a reforma trabalhista como avanços necessários que dependem de aprovação do Congresso.

Para o diretor-executivo da Quantix, Marco Sudano, se o mercado apostasse no pior o risco Brasil não teria subido apenas 30 pontos, de 420 para 450 pontos, nos primeiros dias de agravamento da crise. Contudo, ainda que o risco de uma crise maior seja pequeno, ele existe, o que deve manter o mercado cauteloso. "Não pode bater nem no Lula nem no Palocci", afirmou, estabelecendo o que o mercado considera um limite.

Sem esperar qualquer mudança de orientação da política econômica, os analistas mantêm a avaliação de que o juro deve permanecer elevado até o fim do terceiro trimestre.

Para Sudano, o BC só deve reduzir a Selic a partir de outubro. A queda pode ocorrer antes, talvez em setembro, mas para isso será necessário que a inflação tenha um comportamento mais convergente com a meta. Sem isso, o BC pode deixar o juro alto por mais tempo. Mas, nessa hipótese, Sudano acredita que os cortes demorariam mais para começar, mas ocorreriam mais rapidamente.

Lopes, do Pátria, também espera uma política monetária apertada pelo menos até o último trimestre do ano. Caso a inflação dos próximos meses fique dentro das previsões, o IPCA acumulado em 12 meses só deve cair para abaixo de 7% (o teto da meta) a partir de setembro. Lopes, porém, admite que o BC pode focar suas decisões em 2006 e baixar o juro antes, mas adverte que seria um risco alto terminar 2005 com uma inflação no teto.

Embora tenha uma avaliação, em linhas gerais, positiva, Câmara, do DKW, comenta que a inflação ainda está em um patamar elevado e o BC precisa fazer um trabalho cuidadoso de convergir os índices para um nível inferior a 5%. O economista chama a atenção para o fato de que o calendário político na América Latina entre o fim de 2005 e 2006 será movimentado, com eleições na Colômbia, Venezuela, Chile e Brasil, o que sugere espaço para volatilidade dos ativos dos países da região e, portanto, exige cautela adicional por parte do BC.