Título: Por que os clérigos temem a eleição
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Fonte: O Estado de São Paulo, 18/06/2005, Internacinal, p. A21

É um dos paradoxos do moderno Oriente Médio: uma porcentagem maior de pessoas participa das orações de sexta-feira na Turquia ¿ Estado declaradamente secular ¿ que na República Islâmica do Irã. Do mesmo modo, na última votação na Turquia, os eleitores deram mais apoio a um partido islâmico, enquanto na campanha presidencial iraniana o islamismo não teve destaque, a não ser em alguns cartazes, panfletos ou discursos. Sob um aspecto, o paradoxo é facilmente explicável. Qualquer Estado que imponha uma ideologia de modo muito duro tende a provocar resistência. Da mesma maneira, se um Estado decepciona seus cidadãos em várias frentes ¿ permitindo um grande crescimento do desemprego e da insegurança econômica e social, por exemplo ¿, a necessidade instintiva de protestar leva os cidadãos a se distanciar das normas estabelecidas.

É claro que as tendências políticas não são apenas um simples processo de ação e reação, e toda sociedade tem suas sutilezas. No Irã, o problema é duplo. Depois de 26 anos, a Revolução Islâmica perdeu o fervor moral e social. E há uma distância crescente entre os órgãos eleitos diretamente, como o Parlamento e a presidência, e a cúpula religiosa, que não só nomeia a si mesma como também controla os militares e o Judiciário e tem o direito constitucional de vetar decisões de instituições eleitas. O debate sobre essa divergência de interesses é expressado em termos de democracia. Não é uma discussão sobre o Islã.

O presidente Mohammad Khatami passou oito anos tentando, com hesitação, convencer seus colegas clérigos a mudar o sistema, sem sucesso. A questão nesta eleição é saber se o sucessor de Khatami vai querer e será capaz de fazer melhor. Poucos podem reclamar que não havia opções.Os sete candidatos iam de reformistas a conservadores, significando que as opções eleitorais eram mais amplas que em qualquer país árabe, incluindo o Iraque. Os promotores de democracia de Washington deveriam se concentrar na Arábia Saudita e na Tunísia, não no Irã.

Alguns iranianos, entre eles respeitados defensores dos direitos humanos, pediram um boicote. Seu temor não era a falta de opção ¿ eles diziam que qualquer vencedor seria politicamente impotente e os eleitores, ao participar, legitimariam um sistema falso. O dilema é similar ao que os iraquianos enfrentaram em janeiro.

Os que pediram o boicote alegaram que a eleição legitimaria a ocupação americana e produziria um governo que não seria soberano. Era um argumento razoável, e os comentaristas ocidentais que afirmam que a eleição do Iraque foi um triunfo da democracia, enquanto a do Irã foi irreal, precisam ter certeza de que não estão usando dois pesos e duas medidas.

Jonathan Steele escreve para `The Guardian¿