Título: 'Ninguém neste país tem mais autoridade moral e ética do que eu'
Autor: Leonencio Nossa
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/06/2005, Nacional, p. A4

Em um dos mais duros discursos de seu governo, Lula rejeita a comparação com Collor e comenta as denúncias do mensalão

Na mais dura reação desde o início da crise política que derrubou o ministro José Dirceu, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva atribuiu a interesses eleitorais a onda de denúncias de corrupção contra integrantes do PT e do governo. "Os que torciam para que o governo fosse um desastre já estão com medo da reeleição", disse Lula, ontem, na abertura do 1º Congresso da União Nacional de Cooperativas da Agricultura Familiar, em Luziânia, a 65 quilômetros de Brasília. "Ninguém, neste País, mais do que eu, tem autoridade moral e ética para fazer as mudanças nas instituições e no comportamento social", afirmou o presidente. "Todas as grandes operações que vocês viram na imprensa, da Operação Vampiro, Operação Anaconda, Operação Curupira, foi tudo feito por nós e decisão nossa. E vamos investigar tantas quantas aparecerem. O que não pode é o governo ficar correndo atrás de denúncia vazia." E desafiou a oposição a criar quantas CPIs quiser para investigar o Palácio do Planalto. "Quem tiver culpa pagará pelo erro que cometeu, quem não tiver será absolvido. É assim que funciona a democracia", disse Lula. Foi um ato de apoio a Lula. Os presidentes da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Luiz Marinho, e da Confederação dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Manoel dos Santos, chegaram a dizer, antes do presidente, que a oposição queria confundir a sociedade com denúncias de corrupção. Santos afirmou que o problema vem desde Cabral. Marinho defendeu a reeleição de Lula, que demonstrou constrangimento ao receber os inesperados apoios diante de uma platéia de 975 representantes de sindicatos e cooperativas agrícolas. Diferentemente do discurso em que defendeu o governo no caso do escândalo Waldomiro Diniz, em fevereiro de 2004, na cidade gaúcha de Caxias do Sul, Lula estava mais solto e não economizou ironias. "Tudo o que estamos vivendo se deve a um cidadão que pegou R$ 3 mil, um cidadão do terceiro escalão", comparou. Sob constantes aplausos e gritos de apoio, disse que é sempre difícil quebrar rituais como o de não usar gravata (na solenidade, ele estava de roupa esporte). "Eu sou a negação do ritual histórico. Não pela minha roupa, pois me visto melhor que muita gente, mas pela minha origem", afirmou, destacando que as ações do governo na área da transferência de rendas "estão incomodando muita gente". Ele destacou que o governo dá bolsa a 7 milhões de famílias e promoveu transferência de renda de R$ 17 bilhões. Lula disse que, ao contrário do "caçador de marajás", como Collor foi vendido pelos marqueteiros na eleição de 1989, o governo não faz bravatas e já prendeu 1.290 pessoas por corrupção, 129 policiais. Ressaltou que "todas as denúncias pertinentes ao governo serão investigadas". No programa Roda Viva da TV Cultura, anteontem, o deputado Roberto Jefferson disse que o esquema de corrupção "é maior que o montado por PC Farias no governo Collor". Ao comentar o mensalão, disse que a denúncia é "problema" do Congresso. "Ali tem 513 deputados e 81 senadores, eles que criem mecanismos de auto-investigação, não tem como o Executivo fiscalizar. O que não pode é, por conta de insinuações e ilações, deixar de votar as coisas que o Brasil tem interesse." Lula afirmou que não enviou projeto para aumentar seu salário ou garantir a "trieleição". "Os projetos que estão no Congresso são de interesse de 180 milhões de brasileiros", avisou. Fez apelo aos parlamentares para que estabeleçam horário para a CPI dos Correios e evitem a paralisação da pauta. Antes de improvisar e comentar as denúncias, o presidente chegou a dizer que não era hora de "dizer o que gostaria". "Como o peso da responsabilidade de presidente é muito maior que o de um cidadão comum, não posso falar a quantidade de bobagens que falam por aí. Tenho de esperar o momento certo para fazer as coisas que devem ser feitas." Ele não resistiu e disse que, "de vez em quando", as pessoas são pegas de surpresa com notícias que nenhum brasileiro gostaria de ser pego, sobretudo quando se trata de corrupção. Ao final do discurso, a platéia cantou jingles da campanha de 2002 e pediu em coro "Lula outra vez".