Título: Lavagem de dinheiro
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/06/2005, Notas e Informações, p. A3

Apesar dos esforços do governo para coibir a lavagem de dinheiro, o Brasil continua sendo criticado pelos organismos multilaterais por causa da ausência de leis claras nessa matéria e pela facilidade com que o crime organizado recorre a "laranjas" para manter contas em bancos e abrir bingos, ONGs e igrejas de fachada. A crítica mais recente partiu do Grupo de Ação Financeira Internacional (Gafi), que foi criado em 1988 pelo G-7, para incorporar o avanço da tecnologia no combate ao tráfico, ao contrabando e ao terrorismo.

Em seu relatório, que está sendo distribuído pelo FMI, o órgão elogia o Brasil por ter aberto varas federais especializadas em crime financeiro e criado mecanismos de recuperação de ativos e cooperação internacional, além de ter firmado um acordo inédito com a Suíça. Mas também o critica por limitar as competências das autoridades fiscais nacionais, dificultar o trabalho de autoridades estrangeiras que investigam quadrilhas internacionais e por demorar para ratificar resoluções do Conselho de Segurança da ONU que tratam do tema.

Esse é o segundo documento do Gafi sobre o Brasil. O primeiro foi divulgado em 2000 e era ainda mais duro. Àquela altura, por iniciativa do então presidente Fernando Henrique, havia sido editada a Lei 9.513, considerada uma das mais avançadas do gênero, tipificando o crime de lavagem de dinheiro, relacionando-o com o narcotráfico, seqüestros e corrupção e aumentando o rigor das penas. No entanto, a legislação processual penal era a mesma dos anos 40, quando nossos legisladores nem sequer cogitavam da possibilidade de uma onda de crimes complexos, com o recurso da alta tecnologia, que permite a transferência de recursos ilícitos para o exterior em questão de segundos. Além disso, não havia uma estratégia para levar o Ministério Público, o Banco Central e a Receita Federal a atuar de modo articulado.

Por isso, desde que a globalização abriu as fronteiras para a internacionalização do delito de lavagem de dinheiro, o crime organizado passou a utilizar centros financeiros offshore, como a Ilha Jersey e as Ilhas Cayman, e países com instituições judiciais anacrônicas, como o Brasil, para realizar suas operações. O Gafi foi criado pelo G-7 em resposta a essa tendência, para internacionalizar o direito penal, mediante a institucionalização de um sistema mundial antilavagem de dinheiro.

Esse órgão começou a funcionar junto à Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e, em apenas dois anos, já contava com a ação conjunta de 15 países. Graças a esse sucesso inicial, ele incorporou em seguida várias nações asiáticas. Foi só em 1999 que o Brasil deu o primeiro passo para integrá-lo, enviando auditores, policiais e promotores para estagiar no Gafi e criando, no âmbito do Ministério da Fazenda, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), para investigar evasão de divisas, formação de patrimônios suspeitos e ativos ocultados sob a forma de empresas de fachada ou falsas fundações.

Embora essa iniciativa tenha sido tomada pelo governo anterior, o governo do PT teve o mérito de aprofundá-la, assinando tratados bilaterais com a Alemanha, a Inglaterra, a Suíça e três dos mais conhecidos paraísos fiscais, as Bahamas, as Ilhas Cayman e o Principado de Liechtenstein. O objetivo é propiciar uma troca instantânea de informações com esses países, rastrear com rapidez movimentações financeiras de suspeitos de corrupção e envolvimento com o crime organizado e agilizar o repatriamento do dinheiro por eles depositado no exterior.

Apesar desse progresso, adverte o Gafi, o Brasil ainda tem muito o que fazer, especialmente em matéria de articulação mais eficiente de suas instituições e de reforma ampla e profunda da arcaica legislação processual. Ao todo, o órgão fez 18 recomendações, algumas das quais, como a flexibilização do direito ao sigilo bancário, dependem de emenda constitucional. O que importa é que o governo, consciente da importância dessas medidas, manifestou sua concordância com o relatório. Vamos esperar que as ponha rapidamente em prática.