Título: Borba diz que Valério negociava cargos e perde liderança do PMDB
Autor: Guilherme Evelin
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/07/2005, Nacional, p. A8

O líder do PMDB na Câmara, José Borba (PR), pôs ontem mais fogo na crise, atirando no PT e no governo ao se defender das suspeitas sobre seus contatos com o publicitário Marcos Valério de Souza, acusado de ser o operador do mensalão. Em nota lida no plenário, Borba explicou os encontros com Valério, relatados pela ex-secretária Fernanda Karina Somaggio, dizendo que discutia com ele a nomeação de peemedebistas para cargos no governo. Ao atribuir a Valério influência no preenchimento de cargos federais, o líder aumentou o rosário de estranhas missões que o sócio das agências SMPB e DNA cumpriria em nome do PT. O publicitário vai depor hoje na CPI dos Correios. À noite, Borba, pressionado pela bancada do PMDB por causa da repercussão negativa à sua nota, resolveu pedir afastamento da liderança do partido até 10 de agosto - quando um novo líder será eleito. O substituto de Borba será o deputado Wislon Santiago (PMDB-PB).

"Nunca recebi de Marcos Valério qualquer numerário ou recursos financeiros, limitando-se o relacionamento ao fato de que o mesmo fazia parte do grupo do PT, que exercia efetiva influência político-administrativa junto ao governo", diz a nota.

"Meu relacionamento com líderes do PT, integrantes da executiva nacional e Valério sempre foi delimitado pela tratativa de ocupação de cargos, em razão de pleitos de integrantes da bancada, sendo leviana e politiqueira qualquer especulação de favorecimento financeiro a deputados do PMDB", afirmou Borba. "O que discuti com dirigentes do PT e o senhor Marcos Valério é o que lideranças partidárias discutem hoje e sempre discutiram em todos os governos, a nomeação de seus partidários para cargos na administração", argumentou. "Um dos poucos sucessos nas tratativas com o mesmo grupo foi para a presidência dos Correios, por indicação do deputado Michel Temer (SP), presidente nacional do PMDB, com a qual fui solidário, na nomeação do ilustre companheiro João Henrique." Borba disse que "é possível" que tenha ido no dia 3 de dezembro de 2003 à agência do Banco Rural no Brasília Shopping, onde seria feito o pagamento do mensalão, segundo o deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ).

Mas para pagar "ou efetuar operação bancária de natureza particular, já que freqüentava o prédio para realizar exames laboratoriais e também visitar escritório de pessoa de minha relação de amizade".

PERPLEXIDADE

A leitura da nota, feita pelo vice-líder do PMDB, Jorge Alberto (SE), já que Borba pelo segundo dia não apareceu na Câmara, causou perplexidade no plenário. "Ele fez uma verdadeira confissão de crime. Confessou a existência de quadrilha. O Valério, que não tinha função pública, participava na definição de cargos públicos que depois lhe rendiam contratos e recursos", disse o líder do PSDB, Alberto Goldman (SP). O presidente da Câmara, deputado Severino Cavalcanti (PP-PE), anunciou a abertura de investigação contra Borba na corregedoria e o Conselho de Ética aprovou sua convocação para prestar depoimento.

O líder do governo, Arlindo Chinaglia (PT-SP), negou a participação de Valério nas decisões sobre cargos e disse que Borba terá de se explicar à CPI dos Correios e à Polícia Federal. "Nem Jefferson em seus momentos mais agudos disse que Valério participava da negociação de cargos. A CPI e a PF vão ter de ver onde está a verdade diante destas afirmações."

"A nota é muito ruim. Ele vai ter de se explicar na CPI", concordou o líder do PMDB no Senado, Ney Suassuna (PB). "Não precisa ter oposição nem conspiração das elites, como diz o PT, porque esse governo e sua base são uma trapalhada. A nota do Borba é prova disso", disse o presidente do PPS, Roberto Freire (PE).

Na bancada peemedebista, até aliados de Borba tinham dificuldades para entender sua atitude, já que ele foi sempre um fiel aliado do Planalto. Na noite da segunda-feira, Borba havia discutido uma versão bem mais light da nota, que não falava da participação de Valério na definição de cargos.

Uma explicação dada por aliados de Borba é que ele passou a desconfiar de que seu nome foi incluído na lista dos suspeitos de receber mesada numa manobra do PT para envolver mais o PMDB na defesa do governo Lula. Até a citação do seu nome por Fernanda Karina, os peemedebistas vinham sendo poupados nas denúncias.

Outros acham que a nota é uma resposta desastrada a uma briga no PMDB. A intenção de Borba seria reagir à articulação do PMDB do Senado de aproveitar seu desgaste para emplacar o senador Hélio Costa (MG) na pasta das Comunicações, em vez do secretário-executivo Paulo Lustosa, seu apadrinhado. Uma terceira versão é que o líder queria atingir apenas Temer, que havia pressionado pela renúncia -, daí a referência a João Henrique.