Título: EUA e ONU brigam pelo domínio da internet
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/07/2005, Economia & Negócios, p. B5
A ONU não quer que a Internet permaneça exclusivamente nas mãos dos Estados Unidos. Ontem, depois de um ano de estudos, 40 peritos convocados pelas Nações Unidas publicaram relatório sobre o futuro da rede mundial de computadores e sugeriram que os governos trabalhem pela internacionalização da Internet. O governo americano já deixou claro que é contrário a essa proposta e que tentará bloquear o processo. O Brasil, um dos países que iniciou a pressão pela internacionalização da rede de computadores, acredita que essa gestão deva ainda ser democrática e transparente, por meio da criação de um fórum internacional. A Internet, desde que foi criada, sempre esteve sob o controle da empresa Internet Corporation for Assigned Names and Numbers (Icann), ligada diretamente ao Departamento de Comércio dos Estados Unidos. Para muitos peritos e governos, entre eles o Brasil, esse controle deve ser exercido de forma multilateral.
Diante da publicação do relatório que admite a criação de um fórum internacional para a gestão da Internet, os 191 países da ONU passaram a debater desde ontem o tema e o que fazer com as recomendações dos 40 peritos, dos quais dois eram brasileiros.
Em uma reunião entre o representante da Casa Branca para assuntos relacionados à tecnologia da informação, embaixador David Gross, e o embaixador do Brasil em Genebra, Luis Felipe de Seixas Correa, os americanos deixaram claro que não vão abrir mão de seu poder sobre Internet. O Brasil lembrou que, há um ano, os americanos indicavam que até o final de 2006 a Icann deixaria de ser relacionada ao Departamento de Comércio dos Estados Unidos.
O Brasil aproveitou para observar que os americanos avaliam a questão da Internet apenas sob o ângulo da segurança. Embora compreenda os motivos de Washington, o País acredita que a segurança do sistema só poderá ser eficiente se houver cooperação internacional.
Para um dos maiores especialistas no assunto, George Sadowsky, diretor da entidade Global Internet Policy Initiative, Bush não quer ficar marcado como a pessoa que entregou o controle da Internet. O governo americano já declarou, em relatório, que não está de acordo com a criação de um fórum internacional para administrar a Internet. "A publicação desses comentários foi um ataque preventivo, já que sabiam que a ONU estava por publicar sua avaliação. O recado que estão enviando ao mundo é que a política americana sobre o assunto não mudará, seja qual for a decisão tomada pela ONU", afirmou Sadowsky.
O especialista reconhece que uma das preocupações dos Estados Unidos é legítima: a politização do controle da Internet por países e interesses diversos. Para ele, a ONU "pode não ser o local ideal para se criar um fórum sobre esse assunto".
Na avaliação do Brasil e da própria ONU, a gestão da Internet deve ser realizada em um fórum único, responsável pela elaboração de políticas públicas sobre a Internet. Para Marcelo Lopes, secretário de Política de Informática do Ministério de Ciência e Tecnologia, o fórum internacional deveria seguir o modelo do Comitê Gestor da Internet no Brasil, com a participação dos governos, empresas e sociedade civil.
O fórum teria a missão de lidar com os custos da Internet, controlar nomes de domínio registrados e a questão da segurança da rede. O controle político, hoje feito pelo Departamento de Comércio dos Estados Unidos, seria substituído por um órgão internacional de supervisão composto exclusivamente por governos.
Para opositores do modelo brasileiro, a idéia se resume a criar uma nova burocracia internacional para lidar com a Internet, o que poderia reduzir o desenvolvimento da tecnologia. Criticam ainda a participação no fórum de governos autoritários, que controlam acesso dos cidadão à rede de computadores, como a China.
Para o Brasil, outros governos devem ser ouvidos politicamente nos debates. O que não pode ocorrer é a permanência do atual sistema, que eleva os preços de conexão em países emergentes. Pelo atual modelo, as decisões sobre a cobrança de taxas pela Icann, por exemplo, não são legítimas.
O Brasil ainda alega que os Estados Unidos estão isolados no debate, que tem de estar concluído até novembro, para a Cúpula da Informação na Tunísia, na qual os países devem decidir sobre a administração da Internet. Brasília diz ter apoio até dos europeus nesse ponto.