Título: O novo câmbio chinês
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Fonte: O Estado de São Paulo, 22/07/2005, Notas & Informações, p. A3

O gigante chinês, que acumulou no primeiro semestre um superávit comercial de US$ 40 bilhões, maior que o de todo o ano passado, resolveu, finalmente, ceder e anunciou uma nova política de câmbio. A novidade foi recebida em todo o mundo com aplausos de crítica e de público. O governo da China vem sendo pressionado há anos para valorizar a moeda nacional, o yuan. Mantida artificialmente baixa por longo tempo, era apontada como um fator de concorrência desleal, que tornava mais competitivos os produtos já baratos da economia chinesa. O Brasil será um dos países beneficiados, se a valorização cambial anunciada ontem for, como se espera, apenas o começo de um ajuste mais significativo. Embora bem recebida, a mudança informada pelo governo de Pequim foi por enquanto limitada em termos práticos. O yuan passou de 8,28 para 8,11 por dólar, com valorização de apenas 2,1%.

A moeda chinesa, desde ontem, deixou de ser vinculada exclusivamente ao dólar e deverá flutuar em relação a uma cesta de moedas ainda não especificadas. Será, segundo o anúncio oficial, um "regime cambial de flutuação administrada".

As informações oficiais não esclareceram inteiramente como funcionará o novo sistema, nem qual será a flutuação permitida pelas autoridades chinesas. Mas a promessa de um regime flexível, depois de 11 anos de vinculação entre o yuan e o dólar, foi saudada como um lance muito positivo tanto nos gabinetes oficiais quanto nos mercados, em todo o mundo.

"Foi um bom primeiro passo", disse o presidente do Fed, o Banco Central americano, Alan Greenspan, acrescentando que novos ajustes deverão ocorrer.

A mudança foi saudada também pelo diretor de Relações Externas do Fundo Monetário Internacional (FMI), Thomas Dawson, que divulgou nota sobre o assunto pouco depois de noticiada a mudança pelas autoridades chinesas.

A nova política de câmbio entrou em vigor um dia depois de informado o desempenho econômico chinês no segundo trimestre. De abril a junho, o Produto Interno Bruto (PIB) da China foi 9,5% maior que o de igual período do ano anterior.

A seqüência das informações não parece casual. O governo chinês vem tentando há algum tempo reduzir a expansão econômica para ajustá-la às condições de oferta de matérias-primas e bens intermediários. É possível que os números do segundo trimestre estejam superestimados, como sugerem alguns analistas, mas não há como negar que o ritmo da atividade ainda seja forte.

A valorização cambial pode funcionar como um freio a mais para a economia, tornando as exportações mais caras e as importações mais baratas. A contenção do crescimento pode ser especialmente bem-vinda num momento em que os preços do petróleo pressionam os custos.

Além disso, a mudança do câmbio é uma resposta diplomática às crescentes pressões dos Estados Unidos e da União Européia, que tomaram recentemente medidas para restringir as importações de certos produtos chineses.

Reações à competição da China, que vem tomando espaço dos concorrentes na maior parte dos grandes mercados, têm ocorrido também na América Latina. Alguns setores industriais do Brasil estão entre os que têm reclamado proteção contra o rápido crescimento de importações de mercadorias chinesas. O governo brasileiro já anunciou a regulamentação de salvaguardas, mas ainda não as aplicou.

Nos mercados financeiros, a mudança do regime cambial chinês foi avaliada como um fator de enfraquecimento da moeda americana. O dólar caiu e o euro subiu, assim como o iene. Se essa tendência for confirmada, o Brasil poderá beneficiar-se. Mesmo que o real se mantenha valorizado frente ao dólar, haverá um ganho de competitividade em face de outras moedas.

Mas convém que a depreciação do dólar, se ocorrer, não seja abrupta, pois isso poderá criar pressões inflacionárias que resultarão em aumentos de juros nos Estados Unidos, mais um problema para a economia brasileira.

De modo geral, a decisão chinesa pode ser considerada, por enquanto, uma novidade muito positiva. Falta ver como será o desdobramento efetivo da nova política.