Título: O presidente e o companheiro-problema
Autor: Angélica Santa Cruz
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/07/2005, Nacional, p. A6

A relação de amizade entre Luiz Inácio Lula da Silva e Delúbio Soares, o homem que encurralou o governo petista

Aos pouquíssimos amigos que lhe restaram, o goiano Delúbio Soares de Castro, de 49 anos, anda se queixando de solidão. Transformado em companheiro-problema desde que seus atos à frente da coordenação financeira do PT jogaram o governo em um vendaval político, ele reclama de viver agora em desconforto entre seus pares. Uma rápida olhada no trânsito que tinha meses atrás é suficiente para mostrar o tamanho de sua queda. Amigão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva desde os primórdios do partido, Delúbio teve presença tão atuante na administração federal que levou os opositores a acreditar que não se enroscou sozinho. 'Não é segredo para ninguém a proximidade entre ele e o presidente. Por isso, é impossível que tenha feito alguma coisa sem o conhecimento do Planalto', argumenta, e repete sempre que a chance aparece, a senadora expulsa do PT Heloísa Helena (PSOL-AL). 'Delúbio é homem do Lula. Todos no partido sabem disso', completa o jornalista e ex-deputado Milton Temer (PSOL-RJ), também dissidente petista.

A amizade entre Lula e Delúbio começou nos primórdios do PT, nos anos 80. Discreto - e com atuação política apagada -, Delúbio aparece nas fotos em preto-e-branco do partido discutindo estratégias políticas com alguns de seus principais caciques. Nessa época, o goiano de Buriti Alegre era o retrato falado do militante que ajudou a construir a mística petista. Ainda não mostrava cabelos brancos na barba mal aparada, era integrante atuante da direção nacional da CUT e carregava sua ideologia para pequenos atos cotidianos. Ficou 18 anos sem tomar Coca-Cola em protesto contra o imperialismo americano, não gostava de filmes rodados em Hollywood e costumava associar qualquer tipo de patrão a uma raça de caráter duvidoso.

Nos anos 90, Delúbio chegou à cúpula do PT. Continuou sua trajetória discreta no Campo Majoritário, a turma moderada que domina o partido. 'Nas decisões internas, ele sempre votou de acordo com as posições tomadas por Lula', diz o deputado federal da bancada paulista Ivan Valente, integrante da esquerda petista. Só foi arrancado das sombras em 2002, ao ser indicado pelo próprio Lula para ser tesoureiro de sua campanha eleitoral à Presidência da República. Nessa fase, a convivência entre os dois se intensificou. Delúbio chegou a cozinhar para o candidato em jantares no apartamento em São Paulo onde mora com a mulher, a psicóloga e secretária de Assuntos Institucionais do PT, Mônica Valente. 'Ele fez uma receita de arroz com frutos do mar, uma de suas preferidas', conta um petista que acompanhou a campanha de perto.

Com Lula no Planalto, Delúbio continuou com as mãos no cofre, no comando da coordenação financeira do PT. E se manteve próximo do presidente. Começou a trançar sua atuação no partido com os assuntos de governo ainda no começo de 2003. Com o PT que ajudou a criar no poder, achava perfeitamente legítimo sair de sua tesouraria para conversar com ministros, encaminhar demandas de empresários, interferir em nomeações para altos cargos e até discutir emendas do governo. Algumas vezes, dentro do Palácio. Delúbio chegou a promover seus encontros em duas salas de reuniões no quarto andar da sede do governo. Uma delas fica na frente do gabinete do então ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu. A outra fica ao lado.

Quando as primeiras acusações de que estava se transformando em um 'ministro sem pasta' apareceram, Delúbio disse a amigos que era um movimento natural a interseção entre dirigentes petistas e integrantes do governo - e admitiu em entrevistas que fazia reuniões com vários ministros e era interlocutor de empresários com a administração federal. Passou a ser visto em hotéis de São Paulo em reuniões com donos de empresas que tinham contratos com o governo.

Para além da movimentação de bastidores, a força de Delúbio em Brasília era demonstrada publicamente. Em ternos ligeiramente mais bem cortados do que os que usava antes, acompanhava o presidente em eventos públicos onde a presença do tesoureiro de um partido causava estranheza. A lista de aparições é enorme. Em fevereiro, logo depois da posse, lá estava ele postado ao lado de Lula, da primeira-dama Marisa Letícia e do banqueiro Edemar Cid Ferreira na abertura da exposição 'China: os guerreiros de Xi´ an e os tesouros da Cidade Proibida'. Em abril, surgiu segurando um guarda-chuva ao lado do chefe da Nação, em uma visita à fábrica de alumínio Alunorte. Também esteve ao lado do presidente em reuniões com ministros do partido, em uma festança com o cantor Zeca Pagodinho em Xerém, no Rio, em encontro com Enrique Iglesias, presidente do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), em Brasília.

Nessa intensa participação social ao lado do presidente, Delúbio Soares também colheu polêmicas e vexames. Na viagem que fez à África com a comitiva oficial, políticos da oposição contestaram a presença do funcionário responsável pelas finanças do PT em uma visita diplomática. E em um encontro entre integrantes do Movimento dos Sem-Terra (MST) e Lula foi flagrado por um fotógrafo segurando uma cigarrilha embaixo da mesa para que ele pudesse fumar às escondidas. Depois de um ano de vida social agitada - muitas vezes ao lado do presidente -, passou um período difícil em 2004. Por duas vezes, Lula o chamou para conversas em Brasília por conta de denúncias. Em poucos meses, o ex-tesoureiro amealhou uma pequena coleção de acusações. A primeira foi a de fazer uma triangulação para o Banco do Brasil comprar R$ 70 mil em ingressos para uma apresentação da dupla Zezé Di Camargo e Luciano destinada a arrecadar verbas para a construção da nova sede do PT em São Paulo. Logo em seguida, precisou se explicar sobre denúncia de que sua família comprara sítios de R$ 150 mil, em dinheiro vivo, em Goiás. Um mês depois, um lobista preso na Operação Vampiro - que investigou fraudes no Ministério da Saúde - disse que recebeu autorização do tesoureiro petista para pedir dinheiro de empresas farmacêuticas. Delúbio disse a amigos que as broncas do presidente foram dadas em tom ameno, quase cordial. Luiz Inácio Lula da Silva teria pedido explicações e, depois, aconselhado que ele evitasse se expor politicamente.

Quando foi acusado pelo deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) como o homem que agia em conjunto com o empresário mineiro Marcos Valério Fernandes de Souza em operações para comprar o apoio de deputados federais, Delúbio Soares estava voltando à superfície - e à boa convivência com o Planalto. Mas já estava enfraquecido por conta das denúncias e polêmicas que o rondavam. Entre dirigentes do PT, falava-se em tirá-lo do comando financeiro da legenda e lançar sua candidatura a deputado federal por Goiás. A essa altura, o ex-tesoureiro já aparecia bem menos em público ao lado do amigo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.