Título: Dieta fiscal sem fome, segundo o Ipea
Autor: Rolf Kuntz
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/07/2005, Economia & Negócios, p. B2

O governo poderia gastar mais e ao mesmo tempo elevar o superávit primário, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), órgão técnico subordinado ao Ministério do Planejamento. A afirmação, quase um desafio aos ministros da área financeira, apareceu neste mês no site do Ipea. É baseada num estudo assinado pela Diretoria de Estudos Macroeconômicos da instituição. Fornece argumentos a favor de um compromisso mais ambicioso de acerto das contas públicas. O resultado poderia ser o equilíbrio fiscal em 2008. A dívida pública passaria, até lá, de cerca de 51,5% para 45% do Produto Interno Bruto (PIB), sem trauma econômico e sem sacrifício maior das políticas prometidas pelo governo.

Uma iniciativa desse tipo daria substância à idéia de choque de gestão, ainda não abandonada, aparentemente, pelo presidente da República - e com a vantagem de não exigir nenhum grande sacrifício. Parte dos petistas com certeza torceria o nariz, mas isso não seria, hoje, um grande custo.

O estudo não parece ter tido grande sucesso em Brasília. Talvez o barulho em torno das bandalheiras investigadas pela CPI dos Correios tenha desviado a atenção.

O debate sobre déficit zero foi quase abandonado. Mais que isso: o governo decidiu cortar meio bilhão de reais do superávit primário - o resultado sem o pagamento de juros - programado para este ano. Como o crescimento econômico foi reestimado de 4% para 3,4%, o superávit primário planejado, equivalente a 4,25% do PIB, também será menor em valores nominais.

Mantém-se pelo menos oficialmente a meta fixada no ano passado. Pode-se até imaginar um resultado maior no fim do ano, obtido de forma um tanto clandestina, como ocorreu em 2004. Mas vale a pena essa artimanha?

A nota do Ipea dá uma resposta negativa a essa questão: anunciar um objetivo e tentar na prática superá-lo é um procedimento "inteiramente ineficaz para influenciar as expectativas". Perde-se, portanto, parte do efeito que a austeridade financeira poderia produzir.

É mais compensador, segundo os autores do estudo, assumir claramente o compromisso mais ambicioso. A nova meta seria um superávit primário correspondente a 5% do PIB neste ano e nos três seguintes.

O raciocínio parte dos seguintes pontos: 1) o governo central obteve um superávit primário de 3% do PIB em 2004; 2) o resultado primário de Estados e municípios, 1% do PIB no ano passado, subiu para 1,1% nos 12 meses terminados em maio; 3) as empresas controladas pela União, pelos Estados e pelos municípios obtiveram nesses mesmos 12 meses um superávit primário igual a 0,8% do PIB, 0,2 ponto maior que o de 2004.

Somando-se os resultados obtidos nos 12 meses até maio por Estados, municípios e estatais com o superávit alcançado pelo governo central em 2004 chega-se perto dos 5%. Casualidade ou não, foi esse o resultado exibido pelas contas consolidadas do setor público no período encerrado em maio.

Segundo as estimativas do Ipea, o governo central poderia chegar àquele superávit de 3%, neste ano, mesmo com uma expansão real de 4% das despesas não financeiras. Na primeira tabela apresentada no trabalho, a arrecadação total da União cresce neste ano 5% em termos reais e chega a 24,4% do PIB, superando por 0,4 ponto a do ano passado. A despesa primária sobe de 21,2% para 21,5% do PIB, com aumento real, em valor monetário, de 4%.

Um detalhe especialmente relevante é o crescimento econômico projetado: 2,8%, inferior, portanto, ao novo número estimado pelo governo, 3,4%. A expansão prevista oficialmente permitiria um ajuste ainda mais confortável, se o governo se dispusesse a buscar o superávit equivalente a 5% do PIB.

A nova meta, sublinham os autores do estudo, não exigiria um gasto público menor, como proporção do PIB, do que aquele executado em 2004. Ao contrário: permitiria algum aumento. Mas implicaria um crescimento real da despesa pública menor que a observada no primeiro trimestre de 2005.

O estudo projeta, no cenário principal, crescimento econômico de 3,5% em 2006 e de 4% em cada um dos dois anos seguintes. Nada extraordinário, portanto. A inflação cairia para 5%, 4,5% e 4% nesses três anos. A taxa real Selic diminuiria de 11% em 2006 para 9% e 8%. Mantido o superávit primário consolidado de 5% ao ano, a relação dívida/PIB diminuiria de 50,7% no próximo ano para 48,2% e 45%. Não valeria a pena dar mais atenção a essa proposta?