Título: Toda a pequena Gonzaga parou para receber o filho
Autor: João Caminoto
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/07/2005, Internacional, p. A15

GONZAGA - A cidade mineira de Gonzaga parou ontem para acompanhar a chegada do corpo de Jean Charles de Menezes, morto há uma semana em Londres, a sua terra natal. Coberto com bandeira brasileira, o caixão foi transportado em carro aberto do Corpo de Bombeiros do aeroporto de Governador Valadares até o município de 6 mil habitantes - um percurso de 90 quilômetros que levou quase duas horas. O velório, na Igreja Matriz de São Sebastião, foi acompanhado por 2 mil pessoas. Os pais de Jean, Maria e Matozinho, que não o viam desde abril, quando ele esteve em Gonzaga, mantiveram o olhar distante durante toda a cerimônia. "Estou com muita dor no coração, revendo meu filho", disse o pai. O enterro será às 15 horas de hoje. Foi decretado feriado municipal.

O administrador Giovani Silva, irmão de Jean, negou com veemência a possibilidade de que ele estivesse ilegalmente na Inglaterra. "Desconheço isso. Meu irmão dizia que tinha visto por tempo indeterminado, podia entrar e sair quantas vezes quisesse. Só não podia ficar mais de dois anos fora." Giovani disse que o irmão jamais falsificaria um carimbo, como disseram autoridades inglesas.

Enviado pelo Itamaraty a Gonzaga, o embaixador Manoel Gomes Pereira, diretor das Comunidades Brasileiras no Exterior, declarou que o fato de o visto estar "100%, 90% ou 80%" legal não tem a ver com o que aconteceu. "Apoiamos o combate ao terrorismo, mas não podemos aceitar que inocentes sejam atingidos", disse.

Segundo o embaixador, o Brasil está negociando com a Inglaterra a ida de um procurador ou um delegado federal para acompanhar as investigações sobre a morte. Além de Pereira, também esteve presente, representando o governo federal, o novo secretário especial de Direitos Humanos, Mário Mamede. Alex Pereira, primo que morava com Jean, cobrou a punição dos policiais que atiraram oito vezes nele. "Peço ao Tony Blair que mande os policiais voltarem de férias, porque eles têm de ser punidos."

Uma banda de música vinda de um município vizinho tocou o Hino Nacional várias vezes. As ruas foram decoradas com panos verde e amarelo e, nas casas, faixas diziam: "Tony Blair, não aceitamos desculpas. Queremos justiça", ou "Inocentes pagam pelos terroristas". O cortejo até a igreja foi engrossado por boa parte dos moradores.

Os acompanhanates levavam bandeiras do Brasil, Minas Gerais e Gonzaga. Quatro ônibus foram fretados para que a população da zona rural pudesse comparecer.

As lojas fecharam e as pessoas se concentraram na área da igreja. A dona de casa Vilma Maria Rabelo, de 37 anos, não conhecia Jean, mas foi se despedir. Levou os três filhos pequenos. O comerciante João Lemos, de 46 anos, amigo da família do rapaz, fechou seu supermercado para poder ir ao velório. "A mãe de Jean faz compras comigo e, quando ele estava aqui, vinha ajudá-la. Acho importante estar aqui hoje para mostrar aos parentes que eles não estão sozinhos."

O corpo chegou de São Paulo num avião da Força Aérea Brasileira, às 10h30. Ainda na pista do aeroporto, foi recebido com aplausos, antes de ser colocado no carro dos bombeiros. Pequenos municípios que ficam no caminho até Gonzaga, como Sardoá e Ifigênia de Minas, também pararam para observar o cortejo. Na chegada à terra natal, a saudação foi com lenços brancos. Mulheres com filhos no colo, homens, idosos, vizinhos, amigos ou gente que passou a conhecer Jean depois de sua morte, pela TV e pelos jornais, esperavam numa longa fila formada na porta da igreja para passar alguns segundos diante do caixão e ver parte de seu rosto.