Título: Londres diz que Jean estava ilegal
Autor: João Caminoto
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/07/2005, Internacional, p. A15

LONDRES - Após vários dias de especulação, o governo britânico informou oficialmente ontem que Jean Charles de Menezes, morto por engano há uma semana pela Scotland Yard, estava havia dois anos em situação irregular. Essa revelação poderia explicar porque Jean, segundo a versão da polícia, teria corrido ao ser abordado por agentes armados da Scotland Yard na estação de metrô de Stockwell antes de ser atingido por oito tiros, sete na cabeça. Essa versão ainda não foi confirmada pela comissão independente que investiga o erro policial e é negada por familiares de Jean. Num comunicado oficial do Ministério do Interior, as autoridades britânicas novamente se desculparam pelo incidente e garantiram que sua intenção ao informar a situação de Jean "não tem, de modo algum, o objetivo de prejudicar ou influenciar" a investigação independente sobre a morte ou qualquer medida judicial decorrente do caso. Segundo o ministério, o esclarecimento do status imigratório de Jean foi feito para evitar a especulação sobre o incidente. Mas a atitude britânica de divulgar a nota justamente na véspera do funeral de Jean serviu para azedar ainda mais o diálogo entre os dois países em torno do caso.

CARIMBO IRREGULAR

Segundo o Ministério do Interior britânico, Jean chegou na Grã-Bretanha em 13 de março de 2002 e recebeu um visto válido por seis meses. Durante esse período, ele solicitou autorização para permanecer no país como estudante. Esse pedido foi aprovado em 31 de outubro de 2002 e ele ganhou um visto válido até 30 de junho de 2003. Desde então, o governo britânico afirma não ter nenhum registro de pedido de extensão de visto da parte do brasileiro.

O ministério disse que examinou uma cópia do passaporte de Jean contendo um carimbo que aparentemente concedia a ele permissão para ficar no país por tempo indefinido. "Na investigação constatamos que esse carimbo não foi o usado pelo Departamento de Nacionalidade e Imigração naquela precisa data", disse a nota oficial. As autoridades em nenhum momento usam o termo "ilegal", mas deixam claro que o visto estampado no passaporte de Jean era irregular.

Isso poderia explicar porque os parentes do brasileiro insistiam que ele estava legalmente no país. Uma porta-voz do ministério não esclareceu se o carimbo era falso ou apenas diferente dos usados pela imigração na data estampada no passaporte.

Segundos fontes diplomáticas, isso poderia explicar por que Jean, ao retornar do Brasil em abril, teria desembarcado em Paris e seguido por meio de um ferryboat para Dublin, antes de viajar para Grã-Bretanha, conforme relataram seus familiares. Na França, um carimbo irregular tem maiores chances de passar despercebido. No trajeto marítimo entre a Irlanda e a Grã-Bretanha, muito usado por brasileiros, o controle da imigração é mais leniente e basta apresentar um documento como a carteira de habilitação.

A advogada brasileira Vitória Nabas, cujo escritório em Londres é especializado em imigração, disse que teria sido quase impossível para uma pessoa com o perfil de Jean obter um visto de permanência. "Esse visto só é concedido a quem está no país há pelo menos dois anos, no caso de casamento com britânica; ou há quatro anos no caso de trabalhadores especializados ou casados com europeus", disse Nabas.