Título: 'Omissão às vezes faz mal maior que a corrupção'
Autor: Eugênia Lopes
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/08/2005, Nacional, p. A7

Para o sub-relator da CPI dos Correios, o presidente Lula é responsável pelas irregularidades cometidas por seus indicados

O deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR), sub-relator da CPI dos Correios para a área de finanças, diz que ainda é cedo para falar em impeachment, mas afirma que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva é, em última instância, o responsável pelas irregularidades descobertas pela comissão. Advogado de 42 anos que cumpre o segundo mandato, Fruet afirma na entrevista abaixo: "Todo mundo acha que para caracterizar a responsabilidade precisa aparecer o cheque na conta do presidente. Mas não precisa, porque os principais personagens foram nomeados pelo presidente." Há uma overdose de investigações no Congresso?

É melhor errar pelo excesso do que pela restrição. O ideal seria que se concentrasse numa só frente de investigação porque são fatos e personagens conexos. Mas estamos vivendo um momento extremamente conturbado, que acaba gerando esse turbilhão. Ainda não se conseguiu estabilizar o tiroteio, mas temos de sair da fase da guerrilha e passar para a da qualificação.

A CPI já comprou a participação do ex-ministro José Dirceu no esquema de Marcos Valério?

Chegou em Dirceu e em Lula também. Quando digo que Dirceu está envolvido não quero fazer o julgamento de um processo de cassação. Não sei se alguém acredita ainda que ele não sabia de nada. Mas não quero dizer que ele tenha agido em benefício pessoal, para ganhar dinheiro. Dirceu sabe qual foi a engenharia montada para conseguir o apoio dos partidos no Congresso nas eleições municipais. E a engenharia dos apoios não se restringiu a Marcos Valério nem se limitou aos contratos de publicidade com ele.

Já há indícios capazes de comprometer o presidente Lula?

Ainda não dá para falar em impeachment. Todo mundo está achando que, para caracterizar a responsabilidade, precisa aparecer o cheque na conta do presidente. Mas não precisa, porque os principais personagens foram nomeados pelo presidente para exercer papel público de representação governamental ou política. Foi delegação do Lula. A incompetência e a omissão às vezes fazem um mal para o Brasil pior do que a corrupção. E sob esse aspecto o presidente é responsável sim.

Já há provas do pagamento de mesada a parlamentares?

A maior parte dos saques se deu no período das votações de temas da reforma previdenciária, tributária e da mudança partidária, em especial o início de 2004, que era para o prazo final para definir a composição das comissões permanentes na Câmara. É mais uma grande coincidência que nem o melhor roteirista de novela seria capaz de escrever. Fica claro que, nessas votações, havia algum tipo de favorecimento, liberação de emendas ou indicação de cargo para ter contrapartida ou até pagamento de, não digo mensalão, vamos chamar de capilé. Capilé é um cala-boca menor do que o mensalão. É possível que algumas pessoas sob o argumento de que tinham dívidas de campanha possam ter recebido esses recursos para pagar santinho.

Os parlamentares envolvidos serão julgados pelo Conselho de Ética?

A idéia é não esperar o final dos trabalhos da CPI dos Correios e enviar os casos para o Conselho. Mas temos de ter consistência para não expor essas pessoas negativamente. Todos aqueles que sacaram ou receberam dinheiro vão ter de se explicar no Conselho. Isso não significa que a pessoa será cassada.

A CPI dará resultados concretos?

No aspecto criminal, temos de responsabilizar os envolvidos. No aspecto político, cassar e identificar os corruptos e os corruptores. Além disso, é preciso melhorar o modelo de fiscalização. Ineficiência não é má-fé. Mas não é possível que instituições como Banco Central, Tribunal de Contas da União, Congresso, Controladoria-Geral da União, Receita, Conselho de Controle de Atividades Financeiras e Agência Brasileira de Inteligência não tenham detectado esses fatos. O sistema tem de se tornar mais eficiente.

A relação do governo com o Congresso precisa mudar?

Sim. Não me iludo: esse jogo de promiscuidade do Executivo com o Congresso pode se dar no grande saque, mas às vezes numa pequena indicação por interesse menor. E essa talvez seja a imunidade de Roberto Jefferson (PTB-RJ): ele admitiu que recebeu recursos e que indicava pessoas para ter uma contrapartida financeira. É preciso mudar a cultura da política.

Existe conivência da classe política com o caixa 2 de campanha?

Isso já vem do tempo de Fernando Collor. Em 15 anos, o Brasil deu alguns exemplos para o mundo que poucos países deram. Essa discussão do caixa 2 se deu agora na eleição americana e na Itália. Estão querendo reduzir tudo ao caixa 2, a uma mera questão de dinheiro não contabilizado. Tentaram reduzir tudo a uma questão de crime eleitoral, mas não é.

O fato do ex-secretário geral do PT Silvio Pereira ter ganho um carro de um empresário prova que havia tráfico de influência no governo?

Questões pessoais a princípio não querem dizer nada. O maior exemplo disso é o Land Rover recebido por Silvio e o emprego da segunda esposa de Dirceu num banco. Isoladamente esses fatos não querem dizer nada. O problema é quando começa a se verificar a rede de relacionamento e a troca de favores.