Título: Exportador contra exportador
Autor: Celso MIng
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/08/2005, Economia & Negócios, p. B2

Quem acompanha a marcha da economia pôde presenciar inúmeras brigas de setores da produção contra a ação dos exportadores. Até hoje, por exemplo, os produtores de calçados se queixam de que os curtumes estão exportando couro demais e, com isso, estariam prejudicando a indústria de calçados, que sofre com escassez de matéria-prima.

A novidade é que o exportador começa a desconfiar do negócio de outros exportadores, mesmo se é de setor que nada tem a ver com o próprio. Quando exportadores de manufaturados criticam exportações de produtos com baixo valor agregado, mostram que algo os agride.

Em julho a Petrobrás exportou mais de US$ 1 bilhão em petróleo cru e gasolina, o que levou outros industriais a torcerem o nariz. "Já não basta a Vale do Rio Doce que aumentou em 76% os preços do minério de ferro. A Petrobrás, que até agora era importadora líquida, passou a exportadora líquida. Só em julho despejou mais de US$ 1 bilhão no câmbio e ajudou a derrubar o dólar e o faturamento em reais do resto das exportações", reclamou um deles.

Assim, a indústria começa a ver com maus olhos o que entende por concorrência desleal dos exportadores de commodities e de outros produtos primários. Essa concorrência não ocorre porque as vendas externas elevam no mercado interno o preço da matéria-prima, mas porque as exportações de commodities têm aumentado a oferta de moeda estrangeira e contribuem para valorizar o real.

O diretor-executivo do Banco Itaú e ex-diretor de Política Econômica do Banco Central, Sérgio Werlang, vem chamando a atenção para esse impacto. Em artigo publicado segunda-feira no Valor, observou que China, Índia e demais tigres asiáticos têm aumentado a procura por commodities. A elevação dos preços das commodities, por sua vez, provoca a valorização da moeda dos países exportadores, entre elas a do Brasil, o que já começou a acontecer.

A coisa não termina por aí porque a China (e os demais asiáticos) produz manufaturados que são em seguida derramados no mundo e no Brasil a uma fração dos preços que até recentemente eram praticados por outros fornecedores.

Tomemos um exemplo: o do ferro de passar roupa. A China compra cada vez mais minério de ferro do Brasil. Como exportadora, a Vale do Rio Doce fica em condições de aumentar os preços, como o fez. Com esse minério, a China produz aço e, em seguida, manufaturados. Os diretores da Black & Decker, por exemplo, se queixam de que o ferro elétrico importado da China está invadindo o varejo brasileiro a preços inferiores ao custo da produção nacional.

Quer dizer: em conseqüência do avanço da China e de seus vizinhos, o exportador de manufaturados do Brasil leva paulada de dois lados: leva porque a receita com exportação de matérias-primas concorre para derrubar a cotação do dólar e porque o manufaturado asiático provoca uma devastação no mercado internacional de produtos industrializados.

Há três semanas a revista Economist advertia que a China sozinha está conseguindo influenciar as cotações das commodities, os preços internacionais dos industrializados, o câmbio mundial, a política de juros de países avançados e até os salários globais.

Está em curso o processo de redistribuição da produção industrial no mundo e o empresário brasileiro tem de entender o que está acontecendo. Não pode ficar nas queixas de que o calo está doendo e a praguejar contra o Banco Central que não detém a valorização do real.