Título: Dirceu tinha interesse em nos intimidar, diz promotor
Autor: Vera Rosa
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/08/2005, Nacional, p. A11

Os promotores de Justiça que investigam a "organização criminosa estável" que teria assumido o controle de setores da prefeitura de Santo André estão convencidos de que a contratação do escritório do ex-procurador-geral da República Aristides Junqueira "para defesa dos interesses do PT" fez parte de uma estratégia armada pelo então presidente do partido, José Dirceu. Na época em que Junqueira esteve em Santo André, menos de um mês depois da eleição do presidente Lula, Dirceu era presidente do partido e alvo de denúncia que o apontava como suposto destinatário final de recursos oriundos da corrupção. "O ex-ministro-chefe da Casa Civil (Dirceu) tinha muito interesse em intimidar o Ministério Público", declarou o promotor Amaro Thomé Filho, que integra os quadros do Grupo de Atuação Especial para Repressão ao Crime Organizado (Gaerco), braço do Ministério Público que investiga improbidade e fraudes contra o Tesouro. A investigação sobre Dirceu esbarrou em decisão do ministro Nelson Jobim, do Supremo Tribunal Federal (STF), que em agosto de 2002 mandou arquivar pedido de abertura de processo contra o petista.

"O PT deveria admitir que toda essa confusão mostra que no fundo o escritório foi contratado por sugestão ou iniciativa de José Dirceu", pondera Amaro Thomé. "A atuação dele (Dirceu) tinha o objetivo de proteger um esquema muito maior que hoje a gente vê concretizado nas mãos do senhor Marcos Valério (empresário que seria o condutor do mensalão). A corrupção em Santo André era uma das fontes de contribuição desse caixa central comandado por Valério. A meta era nos intimidar, mas não conseguiram."

No caso Santo André, Junqueira não cumpriu o papel de advogado de defesa dos acusados - entre eles o ex-vereador Klinger Luiz de Oliveira Sousa (PT) e o empresário Sérgio Gomes, suposto mandante do assassinato do prefeito Celso Daniel, ocorrido em janeiro de 2002. Ele não atuou nos processos abertos pela Justiça - 5 denúncias criminais e 10 ações de improbidade -, mas fez conferências de imprensa e atacou o trabalho dos promotores. Junqueira fez uma defesa institucional do partido, quando os promotores decidiram reabrir uma apuração sobre licitações dirigidas.

Contratado pelo PT estadual, Junqueira foi a Santo André no dia 21 de novembro de 2002 e previu "derrotas" do MP nas ações. Enfaticamente, defendeu a tese de que os promotores não tinham autonomia legal para conduzir as investigações. O Tribunal de Justiça do Estado havia decidido anular um procedimento do MP, sob alegação de que os promotores não ouviram os suspeitos.

Junqueira criticou os promotores em entrevista concedida no diretório do PT em Santo André. Ele declarou que a reabertura do processo anulado pelo TJ e a reapresentação da mesma acusação "seriam um erro". Comentou o acórdão do TJ que reconheceu a legitimidade dos promotores em investigações de caráter criminal. "O Supremo já decidiu anular uma ação penal porque o Ministério Público não pode investigar", ressaltou Junqueira. Ele atribuiu o caso Santo André a "frutos da empolgação de jovens promotores". "Muito se reclama da impunidade no Brasil, às vezes por causa de procedimentos desse tipo."