Título: Piraí inova e adota ensino bilíngüe na rede pública
Autor: Karine Rodrigues
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/08/2005, Vida&, p. A14

Aprendizado do inglês começa já no jardim de infância; projeto é financiado por ONG americana

RIO - Aluno de jardim de infância, Kevin Oliveira, de 5 anos, dá risadas ao pronunciar suas primeiras palavras em inglês. Ele tem o português como língua materna, mas está sendo alfabetizado também no idioma estrangeiro. Embora seja fácil imaginá-lo estudante do seleto grupo de colégios particulares bilíngües do País, a realidade, aqui, é outra: a aula é em uma escola da rede pública de Piraí, uma pequena cidade do sul fluminense, onde a taxa de analfabetismo fica em torno dos 8%, pouco mais da metade da média nacional. Além de Kevin, outras 220 crianças de 5 a 8 anos, alunas do Jardim de Infância Luiz Silveira e da Escola Municipal Lúcio de Mendonça, estão travando o primeiro contato com o idioma graças ao financiamento da ONG americana Sequoia Foundation.

Iniciado na semana passada, o projeto é uma novidade no Brasil, mas já vem sendo adotado em seis instituições públicas dos Estados Unidos para filhos de imigrantes, que têm o inglês como segunda língua.

Segundo a diretora da ONG, a brasileira Patrícia Machado, Piraí, que tem pouco mais de 22 mil habitantes, foi escolhida por causa de seu inovador e premiado programa de inclusão digital. A prefeitura oferece internet banda larga a preços populares e há quiosques com acesso à rede em diversos pontos públicos, como nas bibliotecas. Além disso, 18 das 20 escolas do município têm laboratório de informática e a maioria dos professores da rede pública foi capacitada para o ensino com o uso de computadores.

"Isso demonstra que eles estão abertos a iniciativas ousadas. E existe ainda o fato de a informática ser uma ferramenta importante para as aulas, pois, mais adiante, usaremos a internet para promover uma sistemática troca de experiências entre crianças e professores daqui e de lá", explica a carioca, que veio ao Brasil para o lançamento do projeto.

ENTUSIASMO

Junto com ela há mais seis professoras americanas, responsáveis pelas aulas em quatro escolas de Nova York e duas de Miami e também pelo treinamento das quatro pessoas que vão repassar os ensinamentos à equipe à frente do ensino de inglês em Piraí.

Uma delas, a mestranda Elyssa Soares Marinho, de 23 anos, diz estar empolgada com a novidade. "É método diferente. Embora no início tenhamos de usar palavras em português, a idéia é falarmos apenas inglês durante as duas aulas semanais", conta, elogiando também o material didático desenvolvido pela Mondo Publishing e doado pela Sequoia com os equipamentos de videoconferência e webcams.

Pai de Kevin, o operador de máquinas Crispiniano Oliveira, de 31 anos, também se diz entusiasmado. "O inglês hoje é tão importante quanto a informática. Para ele, vai ser muito bom na hora de conseguir um emprego", avalia, acrescentando que não teria condições de pagar um curso particular para os filhos, atualmente em torno de R$ 60 a R$ 100 por mês.

"No futuro, eles terão melhores condições de competir no mercado de trabalho com as crianças cujos pais têm como bancar cursos de inglês", conclui Maria Elena Brandão Silva, diretora do Jardim de Infância Luiz Silveira, onde estudam 309 crianças.

FACILIDADE

As primeiras aulas demonstram que, de fato, crianças têm mais facilidade para aprender um idioma estrangeiro. Ao fim de um contato inicial de quase uma hora, boa parte de uma turma de 22 alunos do Jardim de Infância Luiz Silveira já conseguia associar "boys and girls" com "meninos e meninas" e entender o pedido de "look at me" (olhe para mim) repetido pela professora.

"Por enquanto, é tudo muito básico, apenas um jogo de palavras. Elas podem até não falar, mas entendem o que estou dizendo. É uma aula mais baseada na interação, ao contrário do que vemos nas escolas hoje, onde o ensino privilegia, inicialmente, o vocabulário e, mais tarde, a leitura dinâmica, voltada para a prova de línguas do vestibular", avalia Elyssa, ressaltando que fala por experiência própria. "Estudo inglês desde os 13 anos."

Para ela, assim como para a professora Abigail Ribeiro Gomes, um ponto importante do material são os livros paradidáticos, "que contribuem para o incentivo à leitura na língua materna também".

A facilidade com que as crianças aprendem vai muito além da maior interação, possibilitada por uma desinibição pouco vista em adultos.

Segundo a coordenadora pedagógica da Escola Municipal Lúcio de Mendonça, onde estudam 1.280 crianças, Paula Cristina de Souza Silva, o fato de estar com o aparelho fonador em desenvolvimento auxilia no conhecimento de outra língua. "O palato ainda está em formação, por isso é mais fácil de pronunciar determinadas palavras. A pronúncia de quem aprende mais cedo costuma ser melhor", explica.

Secretária de Educação de Piraí, Sandra Simões torce para que o projeto seja tão eficaz aqui como nos Estados Unidos e, com isso, possa ser estendido para toda a rede municipal, um diferencial que ela considera importante, já que o ensino da língua inglesa entra no currículo como disciplina apenas a partir da 5ª série.

De acordo com as mais recentes dados oficiais, a cidade tem hoje 6.350 alunos matriculados na rede municipal, onde trabalham 409 professores.

"Conseguimos reduzir bastante a taxa de analfabetismo, por meio de ações diversas, como classes na rede rural e associação com moradores. Atualmente, 92,8% da população é escolarizada", informa a secretária, apostando que a cidade, hoje elogiada pelas ações de inclusão digital, em breve vai conseguir igual prestígio na área educacional.