Título: Sharon desaloja os colonos que ele defendeu
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Fonte: O Estado de São Paulo, 17/08/2005, Internacional, p. A18

JERUSALÉM - Quando os últimos colonos judeus deixarem a Faixa de Gaza, será a culminação de uma extraordinária odisséia política e pessoal do primeiro-ministro Ariel Sharon, o homem que, quase sozinho, criou o movimento de colonização. A decisão de Sharon de desalojar os colonos que ele defendeu por tanto tempo é uma das grandes reviravoltas da história política israelense moderna. Mas mesmo os que estudaram atentamente o líder de 77 anos estão tendo dificuldade de dizer se Sharon se reinventou - ou se está agindo de maneira consistente com suas crenças fundamentais.

"É uma espécie de dissonância cognitiva, de fato", diz o analista Tamar Hermann da Universidade de Tel-Aviv. "De certo modo, sair de Gaza dessa maneira parece tão discrepante do ethos que ele sempre representou - a rigidez, a recusa a oferecer qualquer coisa sem um retorno garantido."

Seja como general durão do Exército, seja como político de bastidores, Sharon sempre considerou a missão de sua vida a defesa do povo judeu. E ele tem se mostrado convencido de que abrir mão de Gaza é parte disso.

Sharon já pagou um pesado preço político pela retirada de Gaza. No ano e meio desde que anunciou o plano, Sharon tem sido xingado de ditador e traidor, recebido ameaças de morte de extremistas judeus, e agora corre o real perigo de perder a liderança do Partido Likud que ajudou a fundar.

Sharon faz parte da geração fundadora do Estado judeu, que hoje está desaparecendo, um veterano condecorado de suas muitas guerras, mas cujos excessos nos campos de batalha e a política linha-dura lhe renderam a fama de ovelha negra do campo da paz israelense.

Sharon nitidamente venceu a eleição para primeiro-ministro em 2001 e 2003 com base no fato de os israelenses confiarem nele para tomar as medidas que fossem necessárias, por duras que fossem, para pôr fim à campanha de ataques suicidas de militantes palestinos. Mas muitos atribuem o início da segunda intifada (revolta popular palestina) à visita que ele fez, em setembro de 2000, ao Monte do Templo, em Jerusalém, um lugar sagrado para judeus e muçulmanos.

Sharon enviou tropas a quase todas as cidades e povoados palestinos na Cisjordânia, ordenou repetidas incursões e ataques a campos de refugiados da Faixa de Gaza e autorizou a construção de uma barreira de separação que, segundo os palestinos, engole terras legalmente pertencentes a eles.

Os ataques palestinos diminuíram bastante, mas a mão-de-ferro de Israel lhe trouxe um crescente isolamento internacional. Na sua última campanha para o cargo de primeiro-ministro, a iniciativa de retirada de Gaza já estava sugerida quando ele fez repetidas advertências aos seguidores do Likud de que estavam previstas "dolorosas concessões".