Título: A minirreforma
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/08/2005, Notas e Informações, p. A3

Ninguém duvidava de que o "mar de lama" que vai sendo desvendado pelas três CPIs que apuram denúncias de corrupção e, particularmente, a escabrosa forma de operação do partido que está no poder - para a ele chegar e nele permanecer - decorrem de um sistema político-eleitoral perverso, que permitiu tal situação, e não apenas da atuação de um partido. Pois, por mais que o PT tenha exagerado na falta de escrúpulos para saciar suas ambições de poder, não tem sido o único partido a aproveitar-se do sistema imoral, custoso e de distorcida representatividade que tem prevalecido em nossa práxis eleitoral. Assim, era previsível que o acúmulo espantoso de fraudes e crimes que vão jorrando das CPIs e das investigações realizadas por outras instituições, como a Polícia Federal - corrupção ativa e passiva, caixa 2, concussão, fraude em licitações, prevaricação, sonegação fiscal, crimes contra o sistema financeiro e tantos mais -, resultasse numa iniciativa parlamentar imediata, de mudança das regras eleitorais, a entrar em vigor já nas eleições do ano que vem. Diga-se do projeto de minirreforma eleitoral - e esta seria a melhor forma de designá-lo - aprovado na Comissão de Constituição e Justiça do Senado - de autoria do senador Jorge Bornhausen (PFL-SC), com relatoria do senador José Jorge (PFL-PE) e emendas de outros senadores - que é, antes de tudo, limitado, e só há de ser valorizado como parte de um projeto muito mais amplo, que se siga, de reforma não só eleitoral, mas também política. Mas é um bom começo que traz mudanças fundamentais com o objetivo de reduzir custos de campanha e, sobretudo, de moralizar as eleições.

Elimina-se, em primeiro lugar, a "ditadura dos marqueteiros", que se tornou um dos fatores mais corrosivos da prática eleitoral, porque substituiu o discurso político, o entrechoque de convicções doutrinárias, ideológicas e éticas pelos apelos de "venda" de candidaturas, semelhantes aos utilizados, em larga escala, pelas rádios e TVs para vender sabonetes, bebidas e enlatados. A eliminação dos "showmícios" e a proibição da distribuição de brindes durante as campanhas (que pode dar prisão de 1 a 2 anos) também são medidas sem dúvida moralizadoras, além de redutoras do custo eleitoral, porque impedem a transformação do voto, que é o instrumento da escolha política do cidadão, em moeda de troca para a obtenção de pequenas vantagens pessoais - e neste sentido a mudança tem um salutar sentido didático para os eleitores.

A redução das campanhas de 90 para 60 dias, e do horário gratuito de 45 para 35 dias, ainda é mudança tímida. Mas indiscutivelmente as restrições impostas aos programas eleitorais na TV, onde apenas o próprio candidato e filiado a partido podem aparecer, sem gravação de cenas externas, nem inserção de trucagens, computação gráfica e recursos digitais, deverão valorizar o discurso político e a avaliação "limpa" dos candidatos por parte do eleitorado. Talvez uma das melhores mudanças seja a responsabilização mais severa pelas campanhas e o aumento das penas para os infratores. Não só os candidatos, mas também os tesoureiros serão responsáveis pelas prestações de contas das campanhas eleitorais. A pena pelo uso de caixa 2 passa a ser de detenção de 3 a 5 anos (o aumento da pena mínima é importante porque é dela que se calcula a prescrição). Também o partido que descumprir as normas perderá o direito à cota do fundo eleitoral não só por 1 ano, como hoje, mas por 3.

O projeto contém algumas pequenas aberrações - que esperamos sejam eliminadas. Uma delas é a permissão para os sindicatos fazerem doações eleitorais. Apesar de a atual proibição, neste sentido, ser muitas vezes burlada, oficializá-la seria fazer o sindicalismo brasileiro retroceder à triste era do "peleguismo".

Outra aberração é de natureza censória, ou seja, a proibição de divulgação de pesquisas eleitorais 15 dias antes do pleito. Nada justifica essa medida que em nada contribuiria para a moralização das eleições e nem para a redução dos custos, uma vez que elas continuariam a ser feitas para uso dos partidos e dos candidatos.