Título: O ignorante político
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/08/2005, Nacional, p. A6

Não adianta o "mercado" ficar nervoso quando o nome do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, aparece no centro do escândalo, porque não é este o dado essencial da crise. Ou pelo menos não deveria ser. Da mesma forma como nunca foi a política econômica o dado determinante para a reeleição (ou não) do presidente Luiz Inácio da Silva, e sim o resultado do conjunto da obra de bem (ou mal) administrar, não será a confirmação ou o desmentido de que o ministro sabia ou deixava de saber das traquinagens financeiras do PT o fator preponderante no julgamento da população a respeito desse governo. E o que determina se ele pára ou continua - seja em 2006 ou antes - não é o mercado e sim a vontade popular. Se o ministro Palocci ficar mortalmente ferido e tiver de sair, não há risco de a política econômica se alterar.

Outro a conduzirá, com a mesma obediência cega aos preceitos da realidade aos quais Lula teve o senso de sobrevivência de se render desde o início, ao compreender que não tinha opção. Era seguir o que Pedro Malan e Armínio Fraga explicaram muito bem explicado lá na fase de transição, ou a debacle viria antes de começar.

Como a política econômica não é obra de Palocci - seu jogo de retranca, sem o traquejo dos conhecedores, mostra isso - e Lula sabe que é tudo o que lhe resta, só uma decisão politicamente suicida poderia provocar qualquer alteração.

Daí a questão, a despeito da resistência e da obtusidade do mercado, ser primordialmente política. E assim está posto desde o início, os chamados homens de negócio é que não querem ver.

Um parêntese para lembrar declaração recente do presidente da Fiesp, Paulo Skaf, segundo a qual não acompanha o noticiário da crise política, diz muito sobre o nervosismo à deriva de quem não soube perceber a extensão dos acontecimentos desde o primeiro depoimento de Roberto Jefferson e seus desdobramentos.

Como se o mundo se resumisse a números, e não dissesse respeito a pessoas, nossos doutos financistas não viram nada demais naquilo porque o deputado não "apresentava provas".

Agora se põem na ante-sala do juízo final porque o nome de Antonio Palocci aparece no meio de uma história que concerne a um partido no qual ele se insere na condição de dirigente e formulador. Não há razão para surpresa, ainda mais que Rogério Buratti não é personagem inédito. Já apareceu lá atrás quando do caso Waldomiro Diniz. Era, portanto, prevista sua ressurreição.

Também não há motivo para corre-corre na economia, uma vez que o País não está em risco. Se os senhores das finanças não tinham conhecimento, há 100 dias o Brasil lida com o problema.

E da forma institucional como convém às democracias normais, com investigações na Polícia Federal, no Ministério Público e alguns processos de julgamento político instalados no âmbito do Congresso.

Tudo perfeitamente previsto na Constituição. Com partidos funcionando, advogados de defesa, imprensa livre, opinião pública se manifestando, entidades e movimentos marcando posição e até presidente da República no pleno exercício de cometer equívocos a céu aberto.

Não há apocalipse à vista, pois. Há um governo em julgamento, um partido em processo de desmantelamento moral, ambos com seus integrantes em grandes dificuldades políticas, éticas e judiciais. Nem se digam eleitorais, porque essas dirão respeito mais à frente ao eleitor.

Haja o que houver, nada será diferente do que haveria de ser, queira o mercado ou não em sua abissal, e cruel, ignorância política. Ruptura

As últimas declarações de dirigentes do PT e ministros em favor da postergação de punições aos diretamente envolvidos nas denúncias - especificamente José Dirceu e Delúbio Soares - selaram o racha entre o chamado Campo Majoritário e a esquerda do partido. Como porta-voz, o deputado Chico Alencar envia a seguinte mensagem: "A disputa final está posta. Se este grupo continuar dando as cartas no PT, vamos embora. Não cabemos mais na mesma sala." A decisão, diz Alencar, prende-se mais à ausência de autocrítica que aos malfeitos agora conhecidos.

Ultimato

Os oposicionistas do PMDB vão pedir ao presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim que se decida. Se quiser entrar na disputa presidencial terá de se submeter às regras do partido e concorrer às prévias de março.

Para isso não poderá deixar para resolver se concorre ou não em abril, quando acaba seu período na presidência do STF. Precisará assumir a candidatura até dezembro, no prazo para a inscrição nas prévias e a tempo de fazer um trabalho de convencimento popular.

Esse grupo nutre mais simpatia pela candidatura de Jobim do que pela postulação de Anthony Garotinho. Mas reconhece que o ex-governador do Rio de Janeiro dispõe de bom capital eleitoral nas pesquisas e não pretende desperdiçá-lo. Por isso, não concorda com a intenção de Nelson Jobim de ser ungido candidato sem disputa interna.