Título: Roubo de carga custa R$ 3,3 bilhões
Autor: Agnaldo Brito
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/08/2005, Economia & Negócios, p. B4

O roubo de carga, divisão encarregada pela geração de caixa do crime organizado, custa R$ 3,3 bilhões por ano ao País. Dinheiro que, embora seja usado para combater a ação das quadrilhas, também alimenta prejuízos menos tangíveis. Transportadores queixam-se de que, além de elevar os custos, esse gasto reduz a produtividade do transporte rodoviário, setor que respondeu por 5,9% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2004, equivalente a R$ 104,3 bilhões, segundo dados do Centro de Estudos Logísticos do Coopead/Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Depois da estabilidade nos roubos entre os anos 2000 e 2004, o número de ocorrências e os valores roubados nas operações cada dia mais sofisticadas voltaram a subir em São Paulo. Esse crescimento foi constatado por duas fontes diferentes.

Os registros da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) apontam um aumento de 2.021 para 2.130 casos do primeiro semestre de 2004 para igual período de 2005, equivalente ao índice de 5,4%. Segundo Tulio Cahn, responsável pela Coordenadoria de Análise e Planejamento da SSP-SP, o aumento pode ter ocorrido com a ampliação da fraude, em vez da ação de quadrilhas.

As estatísticas das transportadoras confirmam essa tendência. A média mensal de ocorrências no primeiro semestre deste ano superou as médias de todos os anos anteriores. Por mês, em São Paulo, foram 226 ocorrências, ante 210 em 2003 e 212 em 2004. Em relação ao ano passado, a elevação é de 6,77%.

Mais ocorrências e mais dinheiro para as quadrilhas. Isso porque o valor médio subtraído nas ações de roubo de carga em estradas, cidades e entrepostos de distribuição (novo alvo em São Paulo) voltou a aumentar neste semestre. Enquanto o valor médio dos dois anos anteriores ficou em R$ 16 milhões, o prejuízo provocado pelas quadrilhas no primeiro semestre de 2005 elevou-se para R$ 18,6 milhões, aumento de 12,91% (ver gráfico ao lado).

GERENCIAMENTO

O aumento de casos, mesmo com todo o investimento na repressão, é uma má notícia para a saúde econômica do setor. "Do ponto de vista econômico, o custo para as transportadoras se prevenirem é muito elevado e, de fato, quebra a eficiência do setor. Tende a crescer se o número de crimes aumenta", pondera Paulo Fernando Fleury, diretor do Centro de Estudos Logísticos do Coopead/UFRJ.

Fleury chama a atenção para algumas comparações. O gerenciamento de risco no transporte rodoviário supera, na média, os 3% da renda dos transportadores. Isso é mais do que o setor paga de pedágio (segundo dados da Coopead, R$ 2,2 bilhões) e equivale em porcentual à margem de lucro da operação.

O gerenciamento de risco, segmento que prospera no setor, virou exigência quando o transporte envolve produtos de alto valor, como remédios, eletroeletrônicos, autopeças. As transportadoras calculam que o custo para financiar esse aparato, que envolve escolta armada, contratação de milícia, rastreamento por satélite e checagem de motoristas, pode chegar a 15% do frete.

"O medo e os fatos tornam esse um gasto inevitável", resume Autair Iuga, sócio-proprietário da Macor Segurança e Vigilância. Iuga controla um negócio próspero. Fatura R$ 2,2 milhões por mês e cresce a taxas de 30% ao ano. Faz gerenciamento de risco e oferece escolta armada para acompanhamento de caminhões. Tem a maior milícia do País, um contingente de 800 homens e 240 viaturas. As estatísticas indicam que o número de roubo se "aproxima de zero", diz Iuga.

Eficiência de uma parte, ineficiência de outra. É inevitável o efeito colateral. "Esse aparato todo não combina com a organização industrial moderna, com baixos níveis de estoque e operação em regime just-in-time. A ascensão desse tipo de crime não causa apenas prejuízo ao País, mas também acelera a desorganização do transporte rodoviário", avalia Geraldo Vianna, presidente da Associação Nacional de Transporte e Logística (NTC). É um custo intangível, mas tão relevante quanto os R$ 3,3 bilhões por ano.

Urubatan Helou, empresário e presidente do Sindicato das Empresas de Transportes de Carga de São Paulo (Setecesp), sabe disso. "Mais da metade do meu tempo é dedicado a pensar em estratégicas e equipamentos que possam ampliar a segurança do que transporto. As transportadoras têm se dedicado cada vez menos a encontrar formas de tornar o transporte mais produtivo", diz.

Helou comanda uma frota própria de 765 caminhões que cruzam o território brasileiro. Todos os veículos rastreados por satélite ou por rede celular. O número de caminhões próprios poderia ser menor, mas como controlar uma rede de caminhoneiros autônomos sem tê-los sob os olhos?

Helou montou uma sala de vigilância. Sabe onde cada caminhão está. A estratégia tem sido eficaz contra roubos de carga, mas Helou avisa que o custo é cada vez mais proibitivo. "Com esse aparato, evito entre dois e três roubos por dia. Mas é inegável: tanto controle reduz a eficiência", explica.

Os custos são pesadíssimos e quase sempre a negociação para repassar o aumento de despesa para o dono da carga é uma queda-de-braço. Com uma frota nacional de 1.358.634, número de caminhões de carga registrados na Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT) até a última quarta-feira, é sempre difícil repassar integralmente esses custos para o frete.

Mesmo assim, para tentar subsidiar o custo do gerenciamento de risco - despesa que pode variar de 10% e 15% do frete para as empresas especializadas em transporte de produtos visados pelas quadrilhas -, o setor tenta embutir atualmente um porcentual do valor da carga, batizada de taxa GRIS (abreviação para gerenciamento de risco). O porcentual: 0,30%.

"A referência no valor da carga é a forma mais efetiva de calcular o risco. As quadrilhas monitoram exatamente que tipo de produto o caminhão transporta", explica Geraldo Vianna, presidente da Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística.