Título: Demanda cresce e tira a energia nuclear do limbo
Autor: Daniel Hessel Teich
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/08/2005, Economia & Negócios, p. B5

A energia nuclear parece finalmente estar deixando o limbo onde ficou na última década. E entre os principais motivos está a alta dos preços do petróleo e do gás natural. "O aumento contínuo na demanda mundial de energia está ajudando a mudar o conceito sobre as usinas atômicas", disse Alan McDonald, analista do Departamento de Energia Nuclear da Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA). "É óbvio que a situação atual não é mesma do choque dos anos 70, mas, ainda assim, aumentos no preço do petróleo e no do gás natural contribuem para a expectativa em torno da energia atômica." Atualmente estão em construção 24 novas usinas nucleares em todo o planeta. Entre elas está um reator que começou a ser construído este mês em Olkiluoto, na Finlândia. Com capacidade para gerar 1.600 megawatts, esta é a primeira usina a ser erguida na Europa Ocidental desde 1991. Deve começar a produzir energia em 2009. Na França, uma nova usina começará a ser construída dentro de dois anos; na Itália, uma campanha pede a retomada do programa nuclear para fazer frente aos altos custos de geração de energia. O programa italiano foi encerrado em 1987, em resposta ao acidente nuclear da usina de Chernobyl, na Ucrânia, ocorrido um ano antes.

"Eu não diria que existe um renascimento da energia nuclear, mesmo porque os números atuais não chegam nem perto dos da década de 70", explica McDonald. "Acho mais adequado dizermos que existe uma expectativa otimista, o que é muito, comparado à verdadeira estagnação dos últimos anos." De acordo com o analista da IAEA, todas as usinas em construção são uma evolução das usinas mais antigas, com diversos aperfeiçoamentos em pontos como segurança de operação e tratamento de rejeitos. Diversos programas nacionais e internacionais, públicos e privados, buscam tecnologias para melhorar a longo prazo o desempenho econômico, a segurança das usinas, o gerenciamento do lixo nuclear, resistência dos reatores e aperfeiçoamentos no ciclo de combustível.

Paradoxalmente, as usinas nucleares também são beneficiadas por seu apelo ambiental. Com a entrada em vigor do Protocolo de Kyoto, em que os países se comprometem a cortar as emissões de gases ligados ao efeito estufa, as usinas atômicas passam a ser uma opção para a redução na queima de combustíveis fósseis. As usinas nucleares, por esse aspecto, são mais limpas que as termoelétricas, que queimam gás, óleo ou carvão para produzir eletricidade. Dados da IAEA apontam que emitem apenas de duas a seis gramas de carbono por quilowatt/hora gerado, quase o mesmo que fontes de energia reconhecidamente limpas, como a solar e a eólica.

Mas têm a desvantagem de produzir rejeitos altamente radioativos, que exigem cuidados especiais e ainda são alvo de pesquisas e discussões. Esta semana, um grupo de especialistas, entre eles representantes da IAEA, discutirão em Santos, litoral paulista, formas para tornar a energia atômica mais limpa, durante a Conferência Internacional Nuclear Atlântica, a mais importante discussão sobre o assunto na América Latina.

Apesar de o Brasil ter sua matriz energética baseada nas usinas hidrelétricas, o analista da IAEA defende que é hora de o País planejar opções. "As fontes desse tipo de energia estão bastante distantes dos centros urbanos e a crise de 2001 e 2002 mostram o quanto o País é vulnerável no caso de falta de chuvas", diz ele.

ANGRA 3

Quanto à retomada do programa nuclear, McDonald lembra que, apesar de ainda exigir grandes investimentos, Angra 3 está praticamente paga e os equipamentos estão estocados no canteiro de obras. Isso torna sua finalização uma bandeira indiscutível para os defensores da energia nuclear. Outro ponto que, segundo McDonald , precisa ser levado em consideração é que, embora tenha um imenso potencial hidrelétrico, o Brasil tem também a nona maior reserva de urânio do planeta, recurso que poderia ser melhor utilizado.

Mesmo com a atual recuperação na imagem, a energia nuclear ainda é impopular. Quase vinte anos depois, o fantasma de Chernobyl ainda assusta. Segundo McDonald, muitas das mudanças que modernizaram as atuais usinas foram feitas a partir do desastre. Mas ele reconhece que, em questões de segurança, nunca vai ser possível relaxar.