Título: New Orleans sob água e lei marcial
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/08/2005, Internacional, p. A18

Diques se rompem e 80% da cidade fica inundada. Guarda Nacional tenta conter saques. Mortos em 4 Estados podem ser centenas

Depois de terem respirado aliviados, achando que haviam sido poupados de um impacto direto do furacão Katrina, na segunda-feira, os habitantes de New Orleans despertaram ontem numa cidade inundada, sob lei marcial e às voltas com as conseqüências da mais extensa calamidade natural já vista nos Estados Unidos. O rompimento, durante a madrugada de ontem, de duas seções de diques, num total de cerca de 200 metros, que separavam partes de New Orleans do Lago Pointchartrain, ao norte, fez com que as ruas se enchessem rapidamente de água, criando uma situação difícil de ser revertida. O problema era agravado pelo refluxo de esgotos e o rompimento de linhas residenciais de gás e tanques de óleo combustível, criando um desastre ecológico.

A maior parte de New Orleans está numa depressão situada abaixo do nível do lago, do Rio Mississippi e do mar, mais distante, que envolvem a cidade em três lados. 'Sempre tememos que a tigela onde está New Orleans se encheria de água rapidamente', disse o engenheiro Walter Maestri, coordenador dos serviços de emergência. Inundada a cidade, simplesmente não há para onde bombear água para fora sem reconstruir a barreira física que se rompeu. 'Essa é uma história de horror', afirmou Aaron Broussard, administrador de Jefferson Parish, uma das subdivisões de New Orleans.

O Corpo de Engenheiros do Exército tratava ontem de desenhar um plano para reconstituir os diques que cederam (ler na pág. A18). 'A devastação é pior do que os nossos piores temores', afirmou a governadora de Louisiana, Kathleen Blanco. 'É algo totalmente avassalador.' Segundo o prefeito de New Orleans, Ray Nagin, 80% da cidade estava debaixo d´água no início da tarde. 'Em alguns bairros, a água chega a mais de 6 metros e os dois aeroportos estão inundados.' Nagin disse ter recebido relatos sobre corpos em vários pontos. Na manhã de ontem o prefeito declarou a lei marcial na cidade para tentar conter saques. Blanco imediatamente acionou a Guarda Nacional.

As cerca de 20 mil pessoas, a maioria de baixa renda, que se refugiaram no gigantesco estádio municipal, o Superdome, na segunda-feira também estavam rodeadas pela água e não tinham para onde ir. Do 1 milhão de habitantes da região metropolitana que acataram a ordem de retirada no domingo, centenas de milhares não tinham para onde voltar (ler na pág. A18).

Os serviços de emergência enfrentavam enormes dificuldades para distribuir garrafas de água e rações para dezenas de milhares de pessoas imobilizadas pela enchente numa cidade em situação de colapso, sem os serviços básicos e sem nenhuma idéia de quando eles começarão a ser restabelecidos.

Segundo informações dadas por funcionários municipais às redes de televisão, poderá levar seis semanas para que comecem a ser normalizados os serviços de luz, e meses, talvez anos, para que a cidade conhecida como a capital da música e da alegria se ponha novamente de pé.

Previa-se também uma lenta e penosa recuperação para as cidades do Mississippi, Alabama e Flórida castigadas pela fúria do Katrina. Na região de maior impacto, o colapso dos serviços afetava mais de 3 milhões de pessoas.

Os efeitos da catástrofe para a economia não se limitam apenas à região e podem ser consideráveis. A Associação Federal de Pilotos de embarcações que operam no Mississippi e no Golfo do México informou ontem que o furacão provocou 'danos catastróficos' no principal canal de navegação num trecho de 100 quilômetros entre o porto de New Orleans, um dos mais movimentados do país, e a foz do Mississippi.

E, com os preços dos combustíveis em alta, não havia informações seguras sobre a extensão dos danos nas plataformas de petróleo no Golfo do México e a reabertura das refinarias de Louisiana e Mississippi, que processam cerca de 20% da gasolina consumida nos EUA e continuaram ontem fechadas. Ilhados, os três principais hospitais de New Orleans consideravam ontem retirar cerca de mil pacientes para outras cidades e Estados, mas não havia recursos para levar a cabo a operação.

Os helicópteros e embarcações dos serviços de emergência estavam todos em uso no resgate de centenas pessoas que permaneceram em suas casas por serem pobres e não terem transporte para deixar a cidade. Muitas delas acabaram buscando refúgio nos telhados de suas residências, aonde chegaram abrindo buracos a marteladas. 'A água está subindo tão rapidamente que não consigo sequer descrever', afirmou Karen Troyer-Caraway, vice presidente do Centro Médico da Universidade de Tulane.

MORTOS

Embora menor em escala, a calamidade não era menos intensa em Gulfport e Biloxi, cidades costeiras do Golfo do México, no Mississippi, que foram atingidas em cheio pelo Katrina. Uma maré de mais de 7 metros devastou vários hotéis e cassinos em Biloxi e Gulf Port - onde pelo menos 100 pessoas morreram, dezenas delas no desabamento de um prédio. 'Este é o nosso tsunami', resumiu o prefeito de Biloxi, J.Hollowat.

No final da tarde, quando as chuvas e os tornados provocados pelo furacão Katrina já haviam espalhado a destruição para os Estados do Tennessee e da Georgia, as autoridades preparavam o espírito da população para a possibilidade de o total final de mortos ultrapassar os 256 do furacão Camille, de 1969, e ascender a algumas centenas nas áreas mais atingidas da Louisiana, Mississippi, Alabama e oeste da Flórida.