Título: CPI em discussão
Autor: Jarbas Passarinho
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/09/2005, Espaço Aberto, p. A2

No presente momento, avoluma-se o receio de que o corporativismo venha a impedir a punição dos acusados de falta de decoro parlamentar. Para isso contribuiu, de início, a forte pressão do governo para impedir a instalação de comissões de investigação, cujo marco inicial foi a recusa da instalação da CPI que deveria investigar Waldomiro Diniz, assessor de grande prestígio do então chefe da Casa Civil, ministro José Dirceu, devidamente constituída segundo a exigência constitucional e inviabilizada pela manobra da recusa dos líderes da maioria governista, no Senado, de indicar membros para instituí-la. A segunda intervenção, desta feita malograda, fê-la o governo, apelando até para medida provisória, para igualmente obstar a criação das CPIs atuais. Não conseguindo o seu objetivo, descumpriu a praxe parlamentar, negando à oposição a relatoria ou a presidência das comissões e designando para elas parlamentares pertencentes à base de apoio ao governo, o que causou desconfiança dos oposicionistas. Felizmente, injustificada. Paira uma dúvida, agora que as duas comissões indicaram conjuntamente ao Conselho de Ética da Câmara o nome dos congressistas que os fatos - e não simples indícios - apontam como incursos na falta de decoro parlamentar, e que assim são tidos pela forte manifestação da opinião pública. Dúvida criada pela proposta ensaiada pelo presidente da Câmara dos Deputados de adequar a punição a penas mais brandas que a cassação do mandato. Em recente pronunciamento no simpósio do Fórum Nacional, da responsabilidade do ex-ministro João Paulo dos Reis Velloso, realizado em Brasília, na sede da Confederação Nacional da Indústria, o presidente do Congresso Nacional, o nobre senador Renan Calheiros, foi enfático ao garantir que nenhuma manobra de acordo para suavizar punição ou para minimizá-las terá êxito.

Há, contudo, a esclarecer até onde vai o papel das CPIs, a fim de evitar julgamentos descabidos. Tomo por exemplo a CPMI do Orçamento, de 1993, mais conhecida como a dos "anões".

Foram três meses de intenso e produtivo trabalho. Em nenhum momento houve interveniência estranha a tentar pressionar a comissão. O presidente Itamar Franco teve comportamento exemplar. Até quando o seu ministro-chefe da Casa Civil, Henrique Hargreaves, foi objeto de investigação, o presidente o demitiu a pedido para que se defendesse. Ao fim, Hargreaves foi ouvido, defendeu-se plenamente e o relatório final a CPMI "concluiu pela inexistência de alguma irregularidade".

Dezessete deputados e um senador foram considerados culpados. Algo incomum na vida parlamentar, pois se tratava de nomes de grande expressão no Congresso, desde o líder do maior partido, o PMDB, até o próprio ex-presidente da Câmara dos Deputados. O relator, deputado Roberto Magalhães, político de quem nunca se levantou dúvida alguma quanto à sua integridade moral, procedeu com absoluta isenção, a ponto de pedir que outro relator fosse escolhido quando se decidiu a respeito de deputados pernambucanos, seus coestaduanos e da mesma bancada, que estavam sendo investigados.

Nosso trabalho, que incluía os sábados e eventualmente um ou outro domingo, e que nunca deixou de se reunir por falta de quórum, tinha entre titulares e suplentes, dentre outros nomes igualmente respeitáveis, os senadores Mário Covas, José Paulo Bisol, Eduardo Suplicy, Pedro Simon e Ronan Tito, e os deputados Odacir Klein, vice-presidente, Benito Gama, Sigmaringa Seixas, Roberto Rollemberg, Aloizio Mercadante, Nelson Trad, Luiz Salomão, Sérgio Miranda e Zaire Rezende, que cito por terem sido os mais atuantes. No relatório final, figuram ainda 16 parlamentares que, por não nos ter sido concedida nova prorrogação de tempo, ficaram com as investigações inconclusas. O mesmo se deu com sete servidores da Câmara. Até aí ia a autoridade legal da CPI. Daí por diante, os plenários da Câmara e do Senado é que decidiriam. Investigamos até quatro governadores, nada concluindo contra eles. Um excesso, reconheço hoje, cabível às Assembléias estaduais.

Há quem estranhe, por ignorar até onde vão os poderes de uma CPI, que oito tenham sido absolvidos e quatro hajam renunciado antes de cassados, e que 16 outros, com os processos inconclusos por falta de tempo, fossem objeto de recomendação às duas Casas do Congresso, para prosseguir nas investigações. Quem estranha as renúncias não sabe que naquele tempo isso era legal, mesmo concluído o processo pela cassação. Nenhum deles, porém, jamais sequer se candidatou ao Congresso. Dos absolvidos, Ricardo Fiúza foi defendido pelo então deputado Nelson Jobim, e só depois de quatro anos voltou a eleger-se.

Quem é crítico de nosso desempenho nem sabe que graças ao relatório o prazo de inelegibilidade foi aumentado de três para oito anos. Desconhece ainda que quebramos coletivamente nossos sigilos bancário e fiscal e propusemos, no relatório final, que, a partir daí, todos os membros de CPI fossem obrigados a isso. Propusemos a extinção da Comissão de Orçamento, substituída por elaboração orçamentária compartilhada, a reforma do sistema de financiamento de campanhas para acabar com a caixa 2, tudo sem êxito.

Finalmente, nossos críticos - nenhum da nata do jornalismo que nos acompanhou - ignoram que levamos, em mãos, ao procurador-geral, dr. Aristides Junqueira, todos os dados para os quais pedíamos a ação saneadora do Ministério Público. Até hoje desconhecemos o resultado, se houve.