Título: Fazenda quer mais importações
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/09/2005, Economia & Negócios, p. B8

Depois de quase dois anos de atuação discreta, o Ministério da Fazenda voltou a interferir nos rumos das negociações comerciais e defendeu uma atitude mais ativa do País nos fóruns internacionais. Desta vez, sugeriu que o Brasil proponha nas negociações da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC) um corte abrupto das tarifas de importação de produtos industriais. Ontem, antes de ser posta em debate na reunião do Comitê de Gestão da Câmara de Comércio Exterior (Gecex), a sugestão foi bombardeada na surdina pelo órgão que conduz as negociações, o Itamaraty, e por um de seus principais aliados, o Ministério do Desenvolvimento.

Na proposta, a Fazenda teria recomendado cortes que significariam, para o Brasil, a redução da tarifa máxima que pode ser aplicada pelo País sobre a importação de qualquer produto industrializado de 35% para 10,5%. Atualmente, esse teto é adotado, entre outros produtos, para os automóveis. Na lógica da Fazenda, a medida exporia os produtores nacionais ao esforço de elevar a competitividade interna e externa.

A assessores, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, reconheceu que o Brasil e seus aliados terão de fazer algum "gesto" na Rodada Doha, em termos de redução de tarifas de produtos industriais, para obterem a ambicionada abertura dos mercados de produtos agropecuários dos países mais desenvolvidos e a eliminação de subsídios ao setor.

Mas ponderou que essa atitude "terá de ser muito bem estudada, vir no momento certo e contar com uma contrapartida". Ou seja, ele reiterou que o Itamaraty não apoiará nenhum movimento unilateral de redução de tarifas industriais pelo Brasil e que negociará os cortes tarifários na área industrial em sintonia com os compromissos a serem assumidos pelos países desenvolvidos na discussão do capítulo agrícola.

PLANO PRÓPRIO

Menos explícito, o ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, afirmou ao Estado que sua equipe conta com uma proposta própria para a discussão da abertura do mercado de produtos industriais na Rodada Doha, que também foi apresentada na reunião da Gecex. O conteúdo da proposta continuará sob sigilo até o dia 19, quando os ministros que compõem a Câmara de Comércio Exterior (Camex) devem tomar uma decisão.

Furlan lembrou ainda que a Coalizão Empresarial, organismo que agrega as principais entidades do País, tem suas próprias idéias sobre o tema e deve interferir no processo decisório.

Para Furlan, a decisão da Camex será só a conclusão de uma lição de casa. Numa etapa seguinte, a proposta do Brasil terá de passar pelo crivo dos seus sócios do Mercosul e de outros aliados, como parte dos membros do G-20 - o grupo de economias em desenvolvimento que ambiciona maior abertura do mercado agrícola.

Experientes negociadores brasileiros classificaram a proposta da Fazenda como um balão-de-ensaio, ou seja, como uma idéia lançada por meio da imprensa para avaliar sua recepção, antes de ser anunciada.

Em princípio, a equipe do ministro Antonio Palocci defende que o governo descarte a fórmula ABI (Argentina-Brasil-Índia), que propõe que os cortes de tarifas levem em consideração a estrutura produtiva de cada país.

A sugestão da Fazenda é a adoção da "fórmula suíça", que prevê cortes maiores em tarifas altas e cortes menores em tarifas menores - algo que, a rigor, manteria elevadas algumas alíquotas aplicadas por economias desenvolvidas, consideradas estratosféricas.

Uma posição mais agressiva do Brasil nas negociações comerciais foi defendida no primeiro ano do governo Lula, enquanto Palocci manteve o economista Otaviano Canuto na Secretaria de Assuntos Internacionais.

Porém Canuto jamais chegou a apresentar uma fórmula de redução de tarifas industriais. Amparado por Palocci, sua atuação no governo foi mais orientada para uma posição ativa nas discussões da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) e nas negociações do acordo entre a União Européia e o Mercosul. Essas iniciativas acabaram provocando sua saída do ministério e sua indicação como diretor-executivo do Banco Mundial.

Daí em diante, dentro do governo o Itamaraty não havia sofrido resistências à sua linha de condução das duas frentes de negociação, paralisadas desde o ano passado.