Título: Para TSE, compra de passagem pelo PT é "apropriação indébita"
Autor: Mariângela Gallucci
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/09/2005, Nacional, p. A10

O corregedor-geral da Justiça Eleitoral, o ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Humberto Gomes de Barros, classificou ontem como "desvio de dinheiro público" o uso de dinheiro do fundo partidário, pelo PT, para pagar passagens aéreas de parentes do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do ministro da Fazenda, Antonio Palocci. "A coisa é tão insólita que é uma apropriação indébita, um desvio de dinheiro público", afirmou. "Havendo desvio, haveria outras conseqüências, possivelmente penais." Os sete ministros do TSE terão de analisar em breve se foi legal o PT ter pago passagens para filhos, noras, um genro e uma neta de Lula na virada de 2002 para 2003, como revelou o Estado no domingo. Também foram adquiridos bilhetes para a mulher e a filha de Palocci.

Apesar de o País já começar a viver o clima da eleição de 2006, o tribunal ainda não julgou as contas do PT relativas a 2001, 2002, 2003 e 2004. É provável que o partido enfrente resistências na Justiça Eleitoral e não está descartada a hipótese de ser condenado pelo TSE à perda do fundo partidário - que só neste ano já rendeu aos cofres do partido R$ 16,5 milhões.

CHEQUE

Além de Gomes de Barros, dois outros ministros do TSE afirmaram, em caráter reservado, que o partido não poderia ter usado dinheiro do fundo para comprar as passagens para os parentes de Lula. Para eles, a legenda pode ser punida com a perda do fundo partidário.

O ex-ministro do TSE Torquato Jardim afirmou que o dinheiro do fundo partidário tem de ser gasto com despesas de pessoal, não de parentes. O problema está no fato de o PT ter emitido, em março de 2003, um cheque no valor de R$ 100 mil de sua conta do fundo partidário para pagar, entre outras despesas de viagem, passagens para parentes de Lula e Palocci.

Em decisões reiteradas, o Tribunal Superior Eleitoral deixou claro que as contas de fundo só podem receber dinheiro dessa fonte. Ou seja, não é possível admitir o argumento de que as contas movimentavam recursos de outras origens, como contribuição de filiados.

MEA-CULPA

Gomes de Barros e o presidente do TSE, Carlos Velloso, fizeram ontem um mea-culpa, admitindo que a Justiça Eleitoral falhou por não ter analisado de forma mais rigorosa as prestações de contas do PT. Ambos disseram que, a partir das próximas eleições, a Justiça Eleitoral tem de endurecer.

Segundo eles, a Justiça não pode mais aprovar com ressalvas as contas, o que foi comum nos últimos tempos. "Ou aprova ou reprova", disseram eles, durante um encontro de corregedores da Justiça Eleitoral, realizado ontem em Brasília.

O corregedor do TSE reconheceu que nunca as contas foram levadas muito a sério. Em sua fala na reunião, Velloso afirmou que a crise tem um lado positivo, "porque depura".

"A Justiça Eleitoral acreditava muito nos partidos. Devemos continuar acreditando, mas devemos ser mais severos nas próxima eleições", sugeriu Velloso. Ele ressaltou que nesta semana deverá enviar aos presidentes dos três Poderes projetos para tornar mais rígida a fiscalização e mais efetiva a punição dos políticos que cometem irregularidades.

URGÊNCIA

O procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, que também é procurador-geral eleitoral, disse que analisará a partir de hoje, pessoalmente, a prestação de contas do PT. O vice-procurador-geral eleitoral, Mário José Gisi, tinha pedido recentemente ao TSE que investigue com urgência as prestações de contas do PT relativas a 2001, 2002, 2003 e 2004 diante das notícias sobre supostas irregularidades na movimentação financeira da legenda, "considerando que as prestações de contas do PT referentes aos exercícios 2001, 2002, 2003 e 2004 ainda não foram apreciadas por esta Corte".

O vice-procurador afirmou que as providências têm de ser tomadas em caráter urgente "tendo em vista a dinâmica do processo democrático, a proximidade do ano eleitoral, bem como a celeridade intrínseca aos procedimentos administrativos a cargo desta Justiça Especializada (Justiça Eleitoral)".