Título: Camex deve barrar proposta que reduz taxa de importação
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/09/2005, Economia & Negócios, p. B3

BRASÍLIA - Os ministros que integram a Câmara de Comércio Exterior (Camex) tratam hoje do mais sensível tema para o Brasil nas negociações da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC): o grau de abertura que poderá ser dado ao mercado brasileiro de bens industriais em troca de maior acesso de produtos agrícolas aos países desenvolvidos. Contaminada pela divulgação, há alguns dias, de uma polêmica proposta liberalizadora do Ministério da Fazenda, a reunião não será conclusiva. Mas deverá consolidar a tendência de enterrar, o quanto antes e da forma mais definitiva possível, sugestão assinada por três secretários subordinados ao ministro Antonio Palocci.

Dias antes da última reunião do Comitê Gestor da Camex (Gecex), há duas semanas, quatro sugestões foram postas sobre a mesa: além daquela da Fazenda, foram apresentadas as propostas dos ministérios do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) e das Relações Exteriores e a da Coalizão Empresarial.

A única que vazou foi a da Fazenda, que prevê corte de 14,5 pontos porcentuais na tarifa de importação de bens industriais consolidada pelo Brasil na OMC há dez anos.

A tarifa consolidada é a máxima que o País se compromete a aplicar em determinado setor. De acordo com essa fórmula, para bens industriais a tarifa consolidada despencaria de 35% para 10,5%. A tarifa média aplicada cairia de 10,5% para 7,4%.

As outras três propostas seguem uma linha mais conservadora e cautelosa, com base em fórmulas de redução tarifária mais incisivas pelas economias desenvolvidas e de cortes mais brandos para os países em desenvolvimento.

Tais sugestões ainda vieram acompanhadas por severas ressalvas sobre a barganha na OMC. Ou seja, nenhuma concessão nessa área deveria ser realizada sem que haja avanços reais nos temas de interesse do Brasil - a ampliação do acesso ao mercado agropecuário e a eliminação de subsídios distorcivos ao comércio de produtos desse setor.

Na Camex, a tendência mais forte será a convergência dessas três propostas 'cautelosas', com a diplomática incorporação de filigranas da sugestão da Fazenda. A expectativa é que a decisão não seja fechada hoje e que a discussão se arraste dentro do governo brasileiro e, em uma fase seguinte, com os sócios do Brasil no Mercosul e com parceiros do G-20, o grupo de 20 economias em desenvolvimento que pressiona por resultados mais ambiciosos nas negociações agrícolas da OMC.

ESTRAGO

O vazamento da proposta da Fazenda já causou estragos para a posição do Brasil na Rodada Doha. Justamente nesta semana, a OMC retoma a discussão da abertura de mercados para produtos industriais, que terá seu momento decisivo em dezembro, na reunião ministerial da entidade, marcada para Hong Kong.

Embora conhecidas, as diferenças dentro do governo brasileiro acabaram explicitadas. Os números 'ambiciosos' propostos pela Fazenda foram lidos por negociadores de países desenvolvidos, que rapidamente perceberam a brecha aberta dentro do governo brasileiro. Conforme alertou a coordenadora da Unidade de Negociações Internacionais da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Soraya Rosar, o custo para o País reverter essa situação e segurar as pressões das economias desenvolvidas será elevado.

"A divulgação dessa proposta foi o pior dos mundos. Agora, espero que pelo menos prevaleça o bom senso na Camex", afirmou Soraya. "Uma vez explicitada uma proposta agressiva, com a da Fazenda, é natural que os países que mais resistem à abertura agrícola embolsem essa posição como se fosse a base mínima da proposta do Brasil", alertou o economista Paulo Nogueira Batista Jr., da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo.

Respaldada por Soraya e mencionada como um risco pelo ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, a advertência de Nogueira Batista mostrou-se coerente na semana passada.

Em Genebra, o ex-comissário da União Européia para o Comércio e agora diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, não perdeu a oportunidade de espicaçar o Brasil logo depois de reabrir a negociação da Rodada Doha, na quarta-feira. Lamy enfatizou que o Brasil deverá "fazer esforços nesse setor" e que terá "responsabilidades e deveres" na negociação.

"Todos sabemos que o Brasil é ofensivo no setor agrícola, mas há outros setores em que o País terá de fazer esforços", declarou Lamy, que acompanha o debate dentro do governo brasileiro sobre os cortes tarifários na área industrial, assim como todos os demais países interessados na negociação.

"O Brasil tem evidentemente papel importante nas negociações pois é um dos elefantes do comércio internacional e faz parte do G-20. Por isso, seu perfil no processo é central", destacou o diretor-geral da OMC.

A proposta da Fazenda criou ainda ruídos dentro do próprio setor industrial que, até agora, parecia menos divergente.

Desalinhado de setores mais sensíveis a uma abertura do mercado brasileiro - como o eletroeletrônico, o automobilístico e o têxtil -, o vice-presidente do Instituto Brasileiro de Siderurgia (IBS), Marco Polo de Mello Lopes, criticou desequilíbrios na definição do grau de proteção industrial.

Para o setor automobilístico, o governo aplica a tarifa consolidada para bens industriais sobre as importações de automóveis de 35%. Para a grande maioria dos outros setores industriais, entre os quais o produtor de aço, a proteção é de 12%.

"É preciso encontrar um equilíbrio interno. Será inevitável ao País caminhar para a liberalização, mas esperamos que isso se dê com comedimento e serenidade", afirmou Lopes.