Título: Faltam empregos e sobram vagas
Autor: José Pastore
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/09/2005, Economia & Negócios, p. B2

Não há família que não tenha um ou mais membros desempregados ou trabalhando precariamente no mercado informal. Ao mesmo tempo, milhares de postos de trabalho estão abertos por falta de qualificação dos candidatos. Esse é o Brasil. É sempre assim: qualquer surto de crescimento esbarra numa séria falta de pessoal qualificado. O ano 2000, que começou acelerado, levou muitas empresas a tentarem ampliar seus negócios. Andando pelo interior do Estado de São Paulo, notei que muitas delas não conseguiram trabalhadores qualificados na localidade ou na região, nem mesmo no ABC paulista, que sempre teve um grande contingente de operários qualificados. Na época, as montadoras de automóveis estavam trabalhando com jornadas turbinadas, tendo recrutado todos os trabalhadores disponíveis na região, não sobrando nada para quem vinha de fora em busca de qualificação. Resultado: as empresas do interior não puderam se expandir.

Nestes dois últimos anos, quando as excelentes oportunidades internacionais fizeram crescer a manufatura exportadora e o agronegócio, o mesmo fenômeno ocorreu. As indústrias não acham quem procuram. Grande parte dos novos contratados são trabalhadores de baixa qualificação, para fazer serviços gerais, ganhando entre 1 e 3 salários mínimos. Mas, para preencher os níveis de maior qualificação, as dificuldades são imensas.

A falta de pessoal qualificado é problema para as áreas de administração, contabilidade, tesouraria, recursos humanos, relações do trabalho, comércio exterior, importação, artes gráficas, desenho industrial, engenharia, hotelaria, biotecnologia, fisioterapia, nutrição, odontologia, logística, transportes, automação industrial, mecânica de aviação, supervisão de produção, técnico de embalagem, gerente industrial, técnico em usinagem, vários outros tipos de técnicos industriais, advogados com especialização, pessoal de telemarketing, professores de idiomas, física e matemática e inúmeras outras.

Por força das inovações tecnológicas, dos novos métodos de produzir e da crescente concorrência, o mercado de trabalho se tornou mais exigente. Em 2004, 98% das vagas das regiões metropolitanas foram preenchidas por pessoas que tinham 11 anos de escola ou mais - ensino médio.

Isso contrasta com a realidade da oferta. O Brasil tem ainda 12% de analfabetos absolutos e 60% de analfabetos funcionais que, apesar de terem cursado a escola, têm sérias dificuldades para entender o que lêem e fazer cálculos elementares.

Nessas condições, a sua empregabilidade se reduz, mesmo porque o mercado busca outras características além da boa formação profissional. Nos dias de hoje, não basta ser adestrado, é preciso ser educado. O adestramento ensina a pessoa a fazer uma coisa só para o resto da vida. A educação prepara a pessoa para apreender continuamente, o que é fundamental para acompanhar as mudanças meteóricas que ocorrem no setor produtivo.

Para um jovem entrar no mercado de trabalho, não basta ter o diploma, é preciso ter respostas. Além disso, espera-se que o candidato tenha as condutas adequadas para garantir produtividade, competitividade e os próprios empregos, tais como: bom senso, lógica de raciocínio, capacidade de trabalhar em grupo, habilidade para se comunicar e entender o que lhe é comunicado, domínio de mais uma língua além do português e da informática, ter gosto pelo que faz, amar a profissão, comprometer-se com a tarefa, ter disciplina em todos os aspectos, ser obsessivo para se apreender, carregar nas veias o vírus da curiosidade, ter garra no que executa, enfim, ter a ética do trabalho. Ou seja, a dimensão atitudinal é tão importante quanto a cognitiva.

Tudo isso nos põe diante da difícil batalha da qualidade do ensino. Nos últimos anos, conseguimos colocar todas as crianças na escola - e isso foi positivo. Mas é triste saber que só 50% terminam as oito séries do ensino fundamental. E que apenas 35% estão no ensino médio e 9% no superior.

O Brasil está muito atrasado nesse campo. Sem buscar comparações longínquas, basta ver que no Chile, entre os jovens da faixa etária apropriada, 90% estão no ensino médio e 30% cursam universidades.

Tirar o atraso na educação brasileira vai levar uns 15 ou 20 anos se começarmos a trabalhar seriamente desde já. Mais importante que um adicional de recursos, é a melhor aplicação dos mesmos. Isso é essencial.

Muitos argumentam que educação não gera emprego. É uma meia-verdade porque o seu efeito indireto é estimulador do emprego pelo simples fato de que a boa educação atrai os investimentos e estes garantem novos postos de trabalho. Educar adequadamente é garantir o progresso de qualquer Nação. Deixar de educar é perder o passado e eliminar o futuro.