Título: Brasil ameaça EUA com retaliação
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/09/2005, Economia & Negócios, p. B10

O Brasil decidiu pedir à Organização Mundial do Comércio (OMC) o direito de retaliar os Estados Unidos por causa dos subsídios ao algodão. A decisão surpreendeu os ministros americanos, ontem, quando chegavam à embaixada do Brasil em Paris para uma reunião com o chanceler Celso Amorim em que seria tratada a questão dos subsídios agrícolas. O ministro brasileiro, porém, espera que os EUA modifiquem as leis. O Brasil entrou com uma queixa na OMC e conseguiu a condenação dos subsídios. A entidade deu então seis meses para que os EUA modificassem as leis. O prazo acabou quarta-feira, sem um anúncio concreto dos americanos sobre o que fariam. Daí a decisão brasileira.

A nota do Itamaraty anunciando a decisão foi emitida pouco antes do encontro em Paris entre Amorim e Rob Portman, representante da Casa Branca para o Comércio, que insistiu que preferia a negociação e que entendia a decisão.

Amorim afirmou que não poderá esperar o resultado das negociações da OMC para que a reforma nos subsídios ao algodão seja feita. "Não posso ligar o caso do algodão à negociação da Rodada Doha. Esse é um cumprimento da lei e não pode ser trocado por outras concessões."

Os americanos esperavam que o País não retaliasse, mas prometeram se esforçar para rever as leis. Mas Amorim lembrou que o Brasil não recebeu um compromisso dos EUA de que haveria um plano de corte dos subsídios.

Para que o Brasil passe à retaliar os produtos americanos como compensação pelos prejuízos no setor do algodão, a OMC ainda terá de dar um sinal verde e uma arbitragem terá de ser feita para que se defina o valor da sanção. Até lá, o Brasil espera que os americanos modifiquem as leis. "Não vamos dar um ultimato", explicou Amorim. "Eles estão dispostos a trabalhar e do lado brasileiro há disposição para o diálogo. Para isso, porém, precisamos garantir nossos direitos legais."

Essa é a segunda vez que os americanos não cumprem uma decisão da OMC referente à disputa do algodão. A entidade havia dado até junho para que Washington retirasse os subsídios para a exportação do produto. Sem medidas claras, o Brasil iniciou o processo para ter o direito a impor sanções. A retaliação foi evitada porque a Casa Branca apresentou um calendário para as reformas.

No caso dos subsídios domésticos, o Brasil argumenta que não recebeu nenhuma indicação de mudança. "Tivemos boas palavras e declarações, mas não foram específicas e, por isso, tomamos a decisão de pedir para resguardar o direito a retaliar. Boas intenções são boas, mas são só intenções", afirmou Amorim.

ALGODÃO

Em Brasília, o ministro Roberto Azevêdo, coordenador do Núcleo de Contenciosos do Itamaraty ,informou que a forma de retaliar será decidida pela Câmara de Comércio Exterior (Camex), que deverá optar por iniciativas que tragam menos prejuízos ao País e possam induzir os EUA a cumprirem a decisão da OMC. No caso de propriedade intelectual, as sanções poderiam vir com o rompimento de patentes de produtos americanos ou de direitos autorais. Em serviços, como restrição do acesso de empresas americanas a segmentos como o de turismo ou financeiro.

O presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa), Hélio Tollini, disse estar ciente da dificuldade de Brasília aplicar, de fato, as retaliações contra a economia que mais investe no País e que consome cerca de 20% das exportações brasileiras. "A vitória moral na OMC é mais importante que a aplicação das retaliações", afirmou. "Os Estados Unidos foram condenados por se valerem de subsídios proibidos. Isto reforçará as nossas demandas pela eliminação desses mecanismos nas negociações da Rodada Doha da OMC."

O outro capítulo da controvérsia sobre algodão com os Estados Unidos continua suspenso. Em julho, o Itamaraty anunciou que o governo pediu à OMC autorização para retaliar os Estados Unidos em US$ 2,9 bilhões por não terem eliminado subsídios ao setor algodoeiro até o dia 1º daquele mês. Mas o Brasil concordou em não aplicar as sanções até o final deste ano - prazo requerido por Washington para obter do Congresso a eliminação dos subsídios ao algodão. Os EUA já alteraram dois dos programas condenados. Mas dependem do Congresso, onde o lobby agrícola é forte, para adequar sua política às regras da OMC.