Título: Todas as vozes da Bolsa vão se calar
Autor: Carlos Franco
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/09/2005, Economia & Negócios, p. B4

Paulistano do Cambuci, Luiz Sposito, 66 anos, quatro filhos, deixará o pregão da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), no próximo dia 30, às 16h45, quando tocar a sineta, em direção à aposentadoria e à cidade interiorana de Atibaia. Será o fim de uma jornada iniciada em 1968, quando entrou pela primeira vez num pregão para envergar, orgulhoso, a jaqueta de operador, depois de oito anos como office-boy e assistente de outros que atuavam no mercado de capitais em nome de suas corretoras. Não será só para o aposentado Sposito que o pregão deixará de existir. O mesmo vale para seus atuais 52 colegas. O toque da sineta do dia 30 vai selar o fim do pregão viva-voz do mercado de ações no Brasil. A partir dessa data, todas as operações passam a ser centradas no mercado eletrônico. Imagens de um movimentado pregão de ações, com operadores dando lances, falando desesperadamente ao telefone, a partir de agora, só nas de Nova York ou de outras cidades ao redor do mundo, como México, Londres, Tóquio, Berlim ou Moscou.

Na última sexta-feira, Sposito, que os colegas apelidaram de 'cegonha' ('Na juventude eu era bom de bico com as meninas'), estava orgulhoso de a bolsa ter quebrado um novo recorde de negócios. O índice dos principais papéis negociados na bolsa (Ibovespa) atingiu 31.294 pontos, alcançando a máxima histórica. O volume negociado chegou a R$ 2,096 bilhões, dos quais o viva-voz, ainda que tímido, respondeu por mais de R$ 100 milhões.

Em janeiro de 1997, a Bovespa registrava 173 mil negócios no viva-voz e 65 mil no eletrônico. Em maio de 2005, a situação já era outra: 1.595 operações no viva-voz frente a 1,072 milhão no eletrônico. O movimento de migração do viva-voz para o eletrônico foi constante e progressivo. O que elevou o volume de negócios a ponto de que hoje, seria humanamente impossível aos corretores cantarem, aos gritos, todos os lances de compra e venda.

Até 1997, por exemplo, Sposito dividia o espaço do pregão com outros 700 colegas, hoje são 53 e já foram 1.500 nos anos 80. 'Era um fim anunciado. Desde a crise da Ásia e com a globalização dos mercados, por meio da internet, fomos perdendo espaço', reconhece. Sposito só lamenta o fato de ter contribuído durante 50 anos e 8 meses para a Previdência Social pelo teto máximo de contribuição para ter seu rendimento, agora, limitado a R$ 1,5 mil.

E do barulho e da correria, vai sentir saudades? 'Não mais, desde 1997, esse pregão vem dimuindo de tamanho, perdendo operadores, a maioria dos meus antigos amigos já saiu, então não há por que sentir saudade. Isso aqui hoje é um show de rock sem público', brinca, com um humor que não é capaz de contagiar outros colegas, que entre os 45 e 50 anos, estão à procura de novos empregos e horizontes. Para estes, o toque da sineta do dia 30, será mais melancólico.

Sposito também tem outro motivo de orgulho. Conseguiu contagiar com o mercado de capitais dois dos quatro filhos. Hoje, Luiz Eduardo trabalha no Banco Santander e Marcos Roberto na Merrill Lynch. 'Aprendi muito no pregão e repassei isso aos meus filhos. Agora, vou ficar dando palpites. ' O presidente da Bovespa, Raymundo Magliano, diz que saem os operadores e entra o público no pregão. A instituição vai investir R$ 2,5 milhões num projeto no qual a bolsa entrará em obras, de outubro até o dia 25 de janeiro, a tempo de fazer da inauguração do novo espaço mais uma homenagem ao aniversário de São Paulo.

Em maio, 1 milhão de operações foram eletrônicas, ante 1,5 mil no viva-voz ambientes, todos voltados à integração do público com o mercado de capitais. Terá mesa de operações para simulação de negócios, sala para projeção de filme em terceira dimensão (3D) sobre o funcionamento da bolsa, museu interativo sobre a história do mercado de capitais, um auditório de 70 lugares para cursos e palestras sobre o mercado, três salas de atendimento para as corretoras se apresentarem aos visitantes, púlpito para a realização de leilões e eventos especiais no pregão e um café.

Fundada em 1890 por Emílio Rangel Pestana, a Bolsa de Valores de São Paulo foi testemunha das transformações econômicas de São Paulo. Das cadeiras de corretores, que faziam lances para os papéis, a bolsa ganhou, posteriormente, a corbeille, um espaço circular onde os operadores faziam ofertas e os papéis eram listados, com os lances, máximo e mínimo, numa lousa - um quadro negro. A corbeille, com a evolução da tecnologia nos anos 70, perdeu espaço para um novo formato de pregão, o avião.

Sposito pegou a transição e lembra que, antes o diretor do pregão, tocava a sineta, lia a lista das empresas por ordem alfabética, aguardando os lances, que eram colocados na lousa. 'Mas o bom era a gritaria', das vozes que agora silenciam. Serão substituídas pela algazarra dos visitantes. 'Não se pode impedir o futuro, o crescimento do mercado e a evolução da tecnologia', diz Magliano.