Título: Morre Helena Meirelles, a dama da viola
Autor: João Naves de Oliveira
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/09/2005, Caderno 2, p. D10

Dois dias depois de ter recebido alta da Santa Casa de Campo Grande, morreu ontem, aos 81 anos, a violeira Helena Meirelles. Ela estava internada desde o dia 14, quando chegou ao hospital pela terceira vez este ano, para tratar de pneumonia crônica aguda nos dois pulmões. Depois de tratamento na UTI do hospital apresentou melhora e sob orientação médica foi para casa continuar o tratamento. Morreu à 00h30h. Conhecida como a "dama da viola", desde criança acompanhava comitiva de boiadeiros, freqüentava rodas de violeiros até mostrar afinidade com o instrumento, aos 9 anos, quando encantava os vaqueiros no Pantanal de Mato Grosso do Sul onde nasceu. Tudo começou quando ela viu um amigo do pai tocar viola. Aprendeu sozinha, mas foi proibida de continuar a estudar, porque moça 'direita', naquela época, podia até tocar piano, viola, jamais. Liberdade era o seu grito de guerra e tocava indiscriminadamente para todas as platéias.

Considerada rebelde por sua família, casou por imposição aos 17 anos, mas logo depois de ter o primeiro filho abandonou o marido. Em suas andanças, conheceu um paraguaio que tocava violão e violino e também o abandonou após ter um filho com ele. Entregou as duas crianças para pais adotivos e "saiu pelo mundo afora", como lembram seus amigos.

"Saiu para tocar viola", disseram, em bares, boates e prostíbulos, até encontrar o terceiro marido com quem viveu por 35 anos. A violeira ficou no esquecimento durante pelo menos 30 anos, até ser encontrada bastante doente por uma irmã, que a levou para São Paulo, onde foi acolhida como exímia violeira pelos paulistas. Fez o primeiro show em teatro aos 67 anos e daí para frente foi só sucesso.

Seus trabalhos mais conhecidos estão nos quatro álbuns gravados: Helena Meirelles (1994), primeiro disco da violeira gravado pela Eldorado, Flor de Guavira (1996), Raiz Pantaneira (1997) e De Volta ao Pantanal (2003). Também foram produzidos dois documentários sobre ela. A Dama da Viola, do diretor Francisco de Paula para o cinema, e Dona Helena, de Dainara Tófoli. Segundo Dainara, seu filme ainda está em fase de finalização e de negociação com emissoras de TV. "O longa é centrado na figura e na vida dessa mulher, desde os primeiros passos até hoje", diz a diretora. E acrescenta: "Era um exemplo, uma lutadora, trabalhadora, tocar era libertação, era ser ela mesma. Desde pequena foi impedida de demonstrar seus dons artísticos. Depois casou e o marido também não a deixava seguir seu caminho, ela o largou. Enfim, vida e música se misturavam. Ela nem sabia que viraria artista. Tocar era vital para ela."

A violeira Helena Meireles dizia que sua música não era copiada de ninguém. Vinha de dentro e, por isso, não podia ser imitada. "Acho que aprendi com Deus, porque sempre saí tocando e deu certo. Primeiro, eu não pensava em viver disso, era só diversão, mas agora faço show sempre que posso", disse ela ao Estado, quando esteve no Rio, em 2003, para lançar seu último disco, De Volta ao Pantanal, e assistir ao documentário Helena Meireles, a Dama da Viola. Na ocasião, com 79 anos, ela se dizia desanimada, mas deleitou o público que foi à Modern Sound com sua arte e seus casos de menina pobre do interior de Mato Grosso do Sul.

DEU NA 'GUITAR PLAY'

Os brasileiros só a descobriram em 1993, depois que a revista americana Guitarr Play, a bíblia do instrumento, a comparou com instrumentistas como Eric Clapton e Keith Richards. E ela já tinha anos de estrada, acidentada, é verdade, mas uma carreira vitoriosa. Sua vivência inclui também passagem por 'casa de mulheres'. "Queria fazer música, mas a dona disse que se eu recebesse homens ganharia mais dinheiro", contou ela, candidamente, para o público da Modern Sound. "Depois tive minha própria casa, mas nunca deixei a viola de lado", continuou.

Era sua terceira passagem pelo Rio. A anterior tinha sido num Festival de Música Latino-Americana, como o que ocorre nestes dias, e a primeira tinha sido há dez anos. Pouco conhecida, chegou tímida, mas agradou. "Eu estava preocupada porque ia tocar guarânias e música do Pantanal para um público de samba. Perguntei se eles estavam dispostos a me ouvir e o show foi ótimo, tive de repetir várias vezes, não queriam me deixar sair do palco."

O repertório continuava o mesmo, melodias singelas acrescidas de seu dedilhado rápido e seguro. Ela não deixa herdeiros de seu estilo, embora se fizesse acompanhar pelo filho Francisco Machado no violão base e pelo baixo de seu compadre Ailton Torres. Mas sua arte pode ser conferida em seus discos.