Título: Lula defende Chávez e diz que na Venezuela há ´excesso de democracia´
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/09/2005, Nacional, p. A14

Na véspera da abertura oficial da primeira reunião de cúpula da Comunidade Sul-Americana de Nações (Casa), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou ontem que o seu companheiro Hugo Chávez, presidente venezuelano, foi "demonizado". Em cerimônia de assinatura de cinco acordos nas áreas de petróleo entre as estatais dos dois países, no Palácio do Planalto, Lula declarou que a Venezuela não peca pela falta, mas pelo "excesso de democracia". Sem mencionar os dados oficiais sobre o aumento de 4% da miséria no país vizinho desde o início do governo de seu companheiro, Lula chegou a mencionar que Chávez foi o chefe de Estado venezuelano a usar os recursos obtidos com a exploração petrolífera em favor da redução da pobreza.

"A verdade nua e crua é que este homem que está sorridente aqui hoje, alegre, já comeu o pão que o diabo amassou nos seus primeiros quatro anos de mandato", afirmou Lula, olhando para seu companheiro. "Eu não sei se a América Latina teve um presidente com a experiência democrática colocada em prática, como na Venezuela. Um presidente que ganha as eleições, faz uma Constituição e propõe o referendo para ele mesmo, faz o referendo e ganha outra vez. Ninguém pode acusar aquele país de não ter democracia. Poder-se-ia até dizer que tem em excesso."

A cerimônia, que deveria ter um caráter meramente bilateral, acabou se transformando numa antecipação informal da abertura do encontro de cúpula e tirou a parceria estratégica Brasil-Argentina do centro do processo de integração da América do Sul. Em mais uma demonstração de dificuldade em assimilar críticas a suas iniciativas na área externa, Lula acentou que seu projeto comum com Chávez de criar uma união sul-americana chegou a ser tachada como "impossível" e como um "sonho megalomaníaco" por alguns analistas. Arrematou, vitorioso, que a ambição tornou-se "verdade".

Entusiasmado, o presidente chegou a apontar Tiradentes como um dos libertadores sul-americanos que, no século 19, imaginavam a unificação do continente. "Nós ousamos um dia dizer que era possível mudar a geografia comercial do mundo. Quando nós afirmamos isso, mais ou menos há dois anos, havia quem nos chamasse de megalomaníacos. Esse Lula está com megalomania", afirmou, arremedando seus críticos. "A verdade é que essas coisas estão acontecendo. Esteja onde estiver, Tiradentes, o nosso herói da independência, estará pensando: 'Pôxa vida, demorou 200 anos, mas está acontecendo agora o que deveria ter acontecido há muito tempo atrás'." Pouco antes, em seu discurso, Chávez chegou a ser mais ousado e a indicar que a criação de uma "potência sul-americana" e o próprio acordo entre as duas petroleiras como gestos contra o "gigante das sete léguas" - um novo eufemismo que retirou dos textos do libertador José Martí, para nomear os Estados Unidos. "A Petrobrás e a PDVSA, unidas em uma aliança estratégica, não convém ao liberalismo e às transnacionais, que trabalharam para prejudicar os nossos povos. A Venezuela foi colônia petroleira dos Estados Unidos por 100 anos", afirmou Chávez.

"Fracassaram os que tentaram conter os ventos da integração.

Fracassaram e fracassarão", completou.

Ao deixar Lula no Palácio do Planalto, Chávez rumou para um encontro com o presidente da Argentina, Néstor Kirchner, para a celebração de outro acordo na área petrolífera. Somados às 20 sugestões elaboradas pela Venezuela e o Uruguai para a agenda prioritária da Casa, os acordos com o Brasil e a Argentina deixaram claro que o governo Chávez conseguiu o protagonismo que pretendia na construção do novo bloco regional e na sua primeira reunião de cúpula.

Hoje, quando oito dos 12 chefes de Estado da região assinarem os documentos que criarão formalmente a nova instituição regional, pelo menos 15 das sugestões estarão impressas. Entre elas, a formação da Petroamérica, uma antiga ambição de Chávez. Esse projeto prevê ações coordenadas e maior cooperação entre a Petrosul - organismo similar que já foi formalmente criado entre as petroleiras sul-americanas - e a Petrocaribe. As outras cinco propostas, mais densas, continuarão em debate e deverão ser incorporadas à agenda prioritária da Comunidade nos próximos dois meses, conforme informou uma fonte ao Estado.

Uma delas é a criação da Comissão Sul, um organismo que concentrará todas as iniciativas energéticas dos países da região e que foi aceita durante uma reunião ocorrida no último dia 25 em Caracas. Outra proposta será a criação de mecanismos alternativos de financiamento de obras de infra-estrutura de interligação energética, de transportes e de telecomunicações entre os 12 países. Por enquanto, essas obras continuarão financiadas pelos mecanismos já existentes - o Banco Nacionhal de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o Programa de Financiamento das Exportações (Proex), a Corporação Andina de Fomento e o Fundo de Financiamento da Bacia do Prata (Fonplata).

CERIMÔNIA: Com o broche dourado de deputado ainda na lapela do terno cinza com estampa risca-de-giz, o ex-deputado Severino Cavalcanti (PP-PE) apareceu no Palácio do Planalto para a cerimônia que oficializou Pernambuco como sede da nova refinaria da Petrobrás e da estatal venezuelana PDVSA.

À vontade, sentado entre parlamentares, Severino, que renunciou para não ser cassado pela acusação de extorquir o concessionário de restaurantes da Câmara, Sebastião Buani, disse que a eleição de Aldo Rebelo (PC do B-SP) para a presidência da Casa representa a continuidade de sua gestão.

"Vamos ter continuidade, onde os deputados terão vez como na minha gestão. Lá não vai existir, e esse é um compromisso de Aldo, não vai ter mais aquela história de alto e baixo clero", disse ele, em uma referência às expressões aplicadas para dividir os parlamentares entre deputados de maior ou menor exposição pública.

Severino considerou "expressiva" a votação de seu afilhado político, o deputado Ciro Nogueira (PP-PI), que recebeu no primeiro turno 76 votos, e disse que recomendou voto no parlamentar no primeiro turno e em Aldo no segundo. Ainda segundo Severino, cerca de 40 deputados o consultaram sobre a votação, tanto de seu partido quanto de outras legendas.

Severino disse que tem passado dias tranqüilos. "Sou cidadão como vocês", afirmou. Como renunciou, o uso do broche e o acesso ao plenário são permitidos. Segundo ele, a instalação da refinaria em Pernambuco "é um presente" e, se antes defendia os interesses da nação, agora defenderá os de Pernambuco.