Título: Chávez critica declaração da Cúpula
Autor: Denise Chrispim Marin e Tânia Monteiro
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/10/2005, Nacional, p. A24

A criação formal da Comunidade Sul-Americana de Nações (Casa), projeto da diplomacia do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quase ruiu nos momentos finais da primeira reunião de chefes de Estado da América do Sul. Em intervenção surpreendente, o presidente Hugo Chávez, da Venezuela, afirmou que discordava da estrutura institucional, por conferir ao novo bloco um caráter natimorto, repetir fórmulas fracassadas do Mercosul e da Comunidade Andina e ser tão frágil que a integração somente seria concluída "no ano 2200". Chávez recusava-se a assinar os seis documentos finais do encontro. Acabou demovido, mas desnudou a debilidade estrutural da Casa. "Eu tive medo que repetíssemos critérios que, do meu ponto de vista, não deram resultados. Reuniões de vice-ministros, ministros, presidentes dão muito trabalho, mas pouco resultado. Eu não posso, me perdoe Lula, aprovar essa institucionalidade da união sul-americana. Estamos começando muito mal, repetindo esquemas fracassados. Tenho que dizer isso com toda a franqueza", declarou Chávez, que insistia em continuar com os debates.

Os argumentos de Chávez não foram contrariados. O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, admitiu que os documentos eram apenas "declarações políticas" e os 12 países teriam de negociar e fechar um tratado - texto que traria o formato definitivo da comunidade. Em uma reação próxima ao pânico, ruborizado, Lula declarou que, se Chávez não mudasse de idéia, os chefes de Estado sairiam de Brasília "paralisados como chegamos".

Amorim propôs que os 12 países concluíssem, em 90 dias, as discussões sobre as 5 das 20 sugestões sobre o formato da comunidade que não constavam dos documentos finais. Esses 20 tópicos haviam sido apresentados antecipadamente por Chávez e pelo presidente do Uruguai, Tabaré Vásquez (ausente ao encontro), e cerca de 15 foram acatados.

Na sua ânsia de convencer Chávez, o chanceler chegou a anunciar que, sem os documentos assinados ontem, nenhuma reunião poderia ser convocada para discutir a integração - nem mesmo as propostas do venezuelano e de Vásquez.

Chávez revidou, dizendo que não trataria do assunto com ministros - só com presidentes. Lula tomou para si a sugestão de seu chanceler e, em tom apelativo, chegou a propor que as discussões entre os presidentes se dessem por telefone, fax ou e-mail, para agilizá-las. Chávez acabou concordando e ainda foi convidado para almoço privado no Itamaraty.