Título: Um retrato muito feio
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Fonte: O Estado de São Paulo, 03/10/2005, Notas e Informações, p. A3

Ninguém deve se desesperar por causa do novo Relatório de Competitividade do Fórum Econômico Mundial, que situa o Brasil em 65º lugar, abaixo de Tunísia, El Salvador, Gana, Trinidad e Tobago, Namíbia e Costa Rica, para citar só meia dúzia de exemplos sugestivos. O mesmo relatório deixa a Itália, uma das sete maiores economias industriais, na 47ª posição, superada também por países muito menos desenvolvidos, como Tunísia, República Eslovaca e Letônia. Logo depois da Itália, mas, logo acima da China e da Índia, aparece Botsuana. Tudo isso parece contrário não só ao senso comum, mas também ao bom senso. Os autores desse relatório parecem haver construído um mundo particular, que reflete apenas parcialmente a realidade em que as pessoas vivem no dia-a-dia. Nesse caso, suas conclusões devem ser irrelevantes. Mas este julgamento pode ser precipitado. Vale a pena examinar o assunto e descobrir por que o Brasil aparece tão mal situado nessa classificação, que envolve 117 países. Descobre-se, em primeiro lugar, que muitos pontos apontados no relatório, tanto negativos como positivos, são assunto diário da mídia brasileira. O estudo indica, por exemplo, que as empresas são muito melhores que o governo. No quesito "operações e estratégia das companhias", o Brasil aparece em 32º lugar, numa classificação muito mais confortável. Quanto se acrescenta a qualidade do ambiente de negócios, a competitividade empresarial cai para a 49ª posição. Mas o quadro se torna realmente ruim quando o foco se volta para as instituições, para as políticas e para o funcionamento do setor público. Pelo critério do desperdício governamental, a classificação despenca para o 111º lugar. O Brasil aparece com má figura, também, nos quesitos contratos e cumprimento da lei (77ª posição) e corrupção (62º lugar).

A pesquisa foi feita entre janeiro e 14 de maio, quando o noticiário ainda não havia sido tomado pelos escândalos hoje em pauta. Não se pode, portanto, afirmar que a avaliação dos empresários entrevistados tenha refletido a gravidade da crise. Os entrevistados, 212 executivos de 190 empresas, queixaram-se da ineficiência do governo, de sua falta de transparência e da insegurança jurídica. As queixas foram mais intensas do que na pesquisa anterior. A piora da imagem do governo e das instituições é grande explicação, segundo o professor Carlos Arruda, pesquisador da Fundação Dom Cabral e um dos responsáveis pela realização do trabalho no Brasil. No item corrupção, o País apareceu, em 2004, em 45º lugar.

O julgamento mais desfavorável do governo e do meio institucional teve mais peso, na classificação geral do País, do que a evidente melhora de alguns indicadores muito importantes, como a expansão das exportações e importações e o robusto superávit em conta corrente. Também houve progresso na gestão das contas públicas, no ano passado, mas isso praticamente não contribuiu para uma classificação mais decente. No resultado geral, o Brasil despencou oito posições em um ano.

A lista dos "fatores mais problemáticos para os negócios" também é familiar: impostos elevados, normas tributárias muito ruins, burocracia ineficiente e acesso ao financiamento são os obstáculos apontados com maior freqüência pelos entrevistados. A corrupção aparece em 7º lugar, logo depois da infra-estrutura deficiente. A instabilidade política aparece em menos de 2% das respostas. Não é, portanto, o medo de golpe que entra nos cálculos de investimentos.

É provável que na ponderação dos vários itens o resultado final seja distorcido. O Brasil, afinal, é um dos líderes do mercado mundial de produtos agrícolas e começa a ganhar peso em algumas linhas de comércio de alta tecnologia. É quase certo que sua atividade universitária e a qualidade de suas pesquisas em vários setores venham sendo subestimadas, há anos, pelos autores do estudo. Os investidores internacionais, de toda forma, continuam vendo no País atrativos que a pesquisa não mostra ou ofusca.

De toda forma, vários problemas apontados na pesquisa são inegáveis e alguns são importantes obstáculos ao desenvolvimento do País. Sem ficar deprimidos por causa da classificação, vale a pena examinar o relatório, que contém algumas comparações instrutivas.

E a primeira conclusão de quem fizer isso será a de que a iniciativa privada brasileira é uma das mais competentes do mundo.