Título: Discurso do Planalto tenta camuflar recuo
Autor: Tânia Monteiro e Leonencio Nossa
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/10/2005, Nacional, p. A15

BRASÍLIA - Foi um dia de idas e vindas. Preocupado com o desgaste causado pela greve de fome do bispo de Barra (BA), Luís Flávio Cappio, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tentou por toda lei resolver o problema sem recuar. Mas não teve jeito: acabou voltando atrás na decisão de levar a ferro e a fogo o projeto de transposição das águas do Rio São Francisco. Num jogo de palavras, porém, Lula não admite que cedeu, como ficou claro em discurso feito por ele na manhã de ontem, em São Paulo. Coube ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), anunciar à noite que o governo concordara em abrir o diálogo em torno do projeto. Renan pôs fim a um dia inteiro de especulações ao relatar uma conversa, no fim da tarde, com o ministro-chefe de Relações Institucionais, Jaques Wagner. ¿Ficou claro que as obras de transposição serão suspensas?¿, perguntou o senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA). ¿Ficou claro¿, respondeu Renan.

Antes disso, no entanto, tudo estava nebuloso. Lula, que é teimoso e odeia ser pressionado, não queria abrir precedente. ¿Daqui a pouco vai haver uma greve de fome atrás da outra para reivindicar coisas nesse País¿, disse o presidente. ¿O governo não pode passar a imagem de fraqueza.¿

Renan sugeriu a Lula a ¿saída política¿ para o impasse: lembrou que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já tomara a decisão de suspender as obras de transposição do São Francisco. ¿Eu disse ao presidente que, a partir dessa decisão do STJ, seria possível construir uma saída política para o problema e que o Senado estava interessado em ajudar¿, contou Renan.

Além disso, Lula foi aconselhado por amigos ligados à Igreja Católica a fazer um gesto. O presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), d. Geraldo Majella, disse a ele que d. Luís é um homem sério. ¿Não tem jeito. Se o bispo morrer, a tragédia será debitada na conta do próprio presidente¿, observou um ministro. O presidente decidiu, então, enviar Wagner para Cabrobó (PE), onde o frei está em greve de fome há 11 dias, só bebendo água do próprio São Francisco. Mas aí as coisas começaram a complicar.

Foram enviados sinais ao Planalto de que Wagner não seria bem-recebido. As informações davam conta de que era melhor aguardar representantes da Igreja e de organizações não-governamentais fazerem o meio de campo antes da chegada do ministro. Todo o esforço do Planalto, então, foi para convencer o religioso de que o governo vai priorizar a revitalização do rio, investindo R$ 68,5 milhões somente neste ano.