Título: Exuberância
Autor: CELSO MING
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/10/2005, Economia & Negócios, p. B2

Quem ainda tem dúvidas sobre qual é o fator responsável pela derrapada do dólar no câmbio interno deve examinar o que vai acontecendo neste ano na balança comercial, a conta que mostra o comportamento das exportações e das importações. Os números estão disponíveis desde ontem (www.mdic.gov.br). De 1º de janeiro a 30 de setembro a entrada líquida de dólares provenientes de negócios comerciais com o exterior atingiu US$ 32,7 bilhões. Se em cada mês do último trimestre do ano o superávit for de US$ 3,6 bilhões (16% mais baixo do que o de setembro), o superávit do ano atingirá US$ 43 bilhões. Isso está nada menos que 16,3% acima do indicado pelo Banco Central no Relatório de Inflação divulgado quinta-feira passada.

A projeção bastante conservadora do Banco Central para a entrada de dólares pela balança comercial não é desprezível. Ela altera também projeções do comportamento do câmbio e dos juros. O Banco Central concluíra que, a um câmbio de R$ 2,40 por dólar e juros de 19,5% ao ano, a inflação deste ano deve cair um pouco abaixo da meta. Se 16% a mais de dólares do que os previstos forem despejados no câmbio, cresce a probabilidade de que o achatamento cambial continue. Daí porque, a um dólar mais baixo do que o previsto, os juros básicos devem cair ainda mais para não passar muito da meta de inflação do ano.

Depois de sete meses espiando o desmaio do dólar, o Banco Central anunciou ontem um leilão de compra. Mas, aparentemente, não quis mais do que lembrar que a intenção de recompor reservas não foi revogada. As compras foram mínimas, incapazes de provocar reação significativa das cotações. Como aquisições de dólares pela autoridade exigem disponibilidade de recursos fiscais e implicariam avanço da dívida pública, é improvável que o Banco Central se disponha a fazer compras superiores ao programado - US$ 6 bilhões em 12 meses. Mas há mais a considerar.

Informação intrigante é a de que, apesar da enxurrada de reclamações sobre o estrago que o dólar barato tem causado nas vendas externas, em setembro as exportações de manufaturados, segmento mais sensível às oscilações do câmbio, foram as mais altas em 12 meses. Nos nove primeiros meses do ano, cresceram 27,3% e equivalem a 54,7% do total exportado. Como empresário não é de rasgar dinheiro, isso parece provar que, mesmo a um câmbio assim, as exportações ainda dão retorno.

As exportações totais vão dando show; crescem 24,7% ao ano. As importações também batem recordes, embora a velocidade mais baixa, a 22,5%. O fator mais relevante aí é o de que as importações de bens de capital (máquinas e equipamentos) crescem a 29,2% ao ano, o que reforça a impressão de que a economia está investindo. A importação de bens de consumo não passa de 11,1% do total e avança menos, ou 20,5%. É indício de que o componente importado nas exportações está mais alto e, assim, ajuda a compensar as perdas no câmbio.

O efeito China está em quase todas as planilhas do comércio exterior. Neste ano, as exportações de minério de ferro deverão passar de US$ 7 bilhões e crescem a 45%. As de ferro fundido avançam 80,7%, as de açúcar bruto, 76,6% e as de petróleo, 67,0%. Como já foi várias vezes comentado neste espaço, o aumento das vendas de produtos básicos tende a derrubar as cotações do dólar no câmbio e a enfraquecer a competitividade da indústria. Este é o fator que, em todo o mundo, vai transferindo a manufatura para a Ásia.