Título: Cade multa 20 laboratórios por tentativa de boicote a genéricos
Autor: Isabel Sobral
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/10/2005, Vida&, p. A16

Com seis anos de atraso, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) multou ontem 20 dos principais laboratórios farmacêuticos que atuam no País por terem orquestrado, em 1999, uma ação conjunta (formação de cartel) para boicotar a venda de medicamentos genéricos. As empresas, braços de multinacionais, terão de pagar multa correspondente a 1% do seus faturamentos em 1998, ano anterior ao do início do processo. Apenas um deles, o Janssen-Cilag, sofreu pena maior e foi multado em 2%, sob a acusação de ter patrocinado a idéia.

A lei prevê a definição da data paraa cobrança da multa. Mas como o Cade não tem dados sobre o faturamento das empresas, os laboratóriosdeverão enviar os valores em até 30 dias, contados a partir da publicação da sentença no Diário Oficial.

Depois, terão outros 30 dias para efetuarem o pagamento. No caso recente da condenação da Nestlé - que perdeu o direito de compra da fábrica de chocolates Garoto -, a decisão só foi publicada 90 dias depois.

Os laboratórios podem ainda recorrer ao próprio plenário do Cade, desde que apresentem fatos novos para contestar a tese de formação de cartel.O recurso posterga o pagamento das multas até o julgamento da ação.

Em 1999, o Conselho Regional de Farmácias do Distrito Federal acusou as empresas de fazerem um acerto para desestimular os distribuidores a venderem genéricos, que ainda eram desconhecidos pela população. A ação dos laboratórios, segundo a denúncia, foi identificada na coerção contra comerciantes, farmácias e empresas que intermedeiam a venda de medicamentos, que eram ameaçados de exclusão da lista de distribuidores autorizados.

O Cade considerou como prova da existência do cartel uma reunião realizada em 27 de junho daquele ano, na sede da Fundação Getúlio Vargas (FGV), em São Paulo, da qual participaram 25 gerentes devendas e de marketing dos laboratórios. No encontro, conforme depoimentos dos funcionários das empresas, foram tomadas decisões sobre como deveriam atuar em relação à venda dos genéricos. Os principais pontos foram resumidos em ata, à qual o Cade teve acesso.

O conselho retomou ontem o julgamento iniciado em abril, quando dois conselheiros - Ricardo Cueva e Luiz Prado - votaram pelo arquivamento do processo.

O conselheiro Luis Fernando Rigato trouxe a discussão ao plenário após analisar o caso por seis meses e defendeu a condenação. No seu voto, ele afirma que, apesar de não haver provas de que o cartel tenha causado prejuízos ao consumidor, a condenação era a melhor decisão, pois a lei permite 'a punição de ações que tenham potencial de prejudicar a concorrência, independente de haver provas de seu sucesso ou não'.

DEFESA

Os advogados dos laboratórios sustentaram que se tratou apenas de uma reunião de confraternização entre os funcionários dos laboratórios concorrentes. 'Não me parece uma ação empresarial que funcionários sejam liberados, com anuência das chefias, em horário de trabalho, para confraternizações', rebateu a presidente do Cade, Elizabeth Farina.

A defesa também tentou desqualificar o processo no Cade alegando que a investigação criminal - aberta em 2000 - havia sido arquivada pela Justiça comum, com recomendação do Ministério Público Federal (MPF). 'Aqui somos uma instância administrativa, não atrelada à esfera judicial', contra-argumentou Rigato.

O Cade considerou como agravante uma campanha patrocinada à época pela antiga Associação Brasileira das Indústrias Farmacêuticas (Abifarma) contra remédios similares ou genéricos, feita entre médicos. Para os conselheiros, os dados mostram que havia 'interesse e racionalidade econômica' em impedir ou atrasar a entrada de genéricos no mercado.

Como a maioria dos laboratórios é de multinacionais, eles tinham informações de que a entrada desses medicamentos no mercado causaria redução nos lucros, por conta da concorrência.

A Associação Brasileira das Indústrias de Medicamentos Genéricos (Pró-Genéricos) não quis se pronunciar sobre a decisão. O Estado procurou a Federação Brasileira de Indústria Farmacêutica (Febrafarma), substituta da Abifarma, mas não teve resposta.