Título: Arma não assusta. Palavra de bandido
Autor: Luciana Garbin
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/10/2005, Metrópole, p. C1

- Quando é para roubar, rouba. Se ladrão tivesse medo, não roubaria carro-forte. Não tem tanta gente armada dentro e assaltam do mesmo jeito? O argumento de Roberto (os nomes são fictícios neste texto), de 25 anos, preso por roubo, hoje no semi-aberto, é consenso entre assaltantes. Citados a todo momento na polêmica sobre o referendo do próximo domingo sobre a venda de armas, bandidos - na ativa e regenerados - acham que é ilusão associar arma em casa a segurança. O Estado ouviu oito acusados de assalto à mão armada. Roberto e outros quatro foram condenados (dois estão no Centro de Detenção Provisória de Pinheiros e dois já cumpriram pena) e três passaram pela Febem. Todos dizem acompanhar o debate do referendo, mas reclamam que há muita 'lorota'. 'Se fosse eu, não confiava nisso de que arma defende cidadão', diz Roberto. 'Se souber que tem arma, já fico preparado. Qualquer movimento da vítima você pensa que ela vai pegar a arma e fica mais fácil assassinar a pessoa. Não que a gente queira, mas você sabe, né? É o mesmo que roubar policial.

Sabendo que tá armado, você atira. Porque ele atira pra matar.' 'Quem saca primeiro é o dono da festa', diz Rafael, de 23, também condenado por tráfico. Para ele, com o fator surpresa, é difícil ladrão levar a pior.

Vítima armada intimida? 'Não tenho medo de nada. Só de Deus que, quando põe a mão, é profundo.' Ele diz lembrar de apenas um caso em que a vítima escapou do assalto. 'Foi com um moleque da favela. Os vidros tinham insulfilm e o motorista atirou e matou.' 'Se a vítima atirar, tem mais três ou quatro guerreiros (cúmplices) para segurar', diz João, de 37, preso no CDP. 'Ladrão já entra esperando o pior', explica Maurício, de 19, que passou pela Febem por assalto.

Os bandidos contam que a primeira regra no manual dos assaltos é a revista. Se for carro, para verificar se há arma escondida. Se for casa, é preciso ver se tem alguém 'perdido', depois trancar vítimas num cômodo sem celular. E, de preferência, estudar antes o terreno. 'O problema de roubar casa é se tem alguém na rua e vê você entrando. E se tem viatura na área. Ladrão sabendo que a Rota tá na Vila Ema vai para Santo André', conta Tião, de 16, egresso da Febem.

Outras táticas anti-roubo têm efeitos variados. 'Guardinha de rua não faz medo. Ficam andando para cima e para baixo. Quando somem da vista, você entra. Já casa com alarme tem de ser mais estudada. E ter certeza de que tem dinheiro dentro para compensar.' O mesmo vale para condomínios. 'Já pensou roubar apartamento sem saber o que tem lá?' Encontrar arma com a vítima é sempre motivo de comemoração.

Roberto calcula em pelo menos 30 a quantidade de revólveres que 'achou' em roubos e repassou. 'Já tinha as minhas. Se o cara matou com aquela arma, e te pegarem, você corre o risco de assinar homicídio.' Dos entrevistados, três devem votar no dia 23. Alex, de 17, ex-Febem, ainda não se decidiu. 'Nessa vida você tanto arruma dinheiro quanto inimigo. E se está andando por aí e alguém faz alguma coisa com você?' Tião diz que votará 'sim' porque vê muito acidentes acontecendo com o 'zé povinho' - os cidadãos de bem. 'E tem quem põe a arma na cinta e se empolga, playboy que quer pagar de brabo por causa de arma.'

Rafael é contrário ao desarmamento. 'Só policiais vão ficar armados. Hoje, quando eles entram na favela, já morre inocente que não tem nada a ver.' Os presidiários Roberto, João e Marcelo não votam, claro, mas apóiam o desarmamento. 'Vai evitar filho matando pai, vizinho com vizinho. Mas, para diminuir mesmo, é preciso emprego. Nas cadeias tem um monte de zé povinho. Que tinha serviço, perdeu e foi roubar', diz Roberto. 'Aqui a maioria é pelo ´sim´', afirma João, do CDP. 'Muitos tomaram tiro sem nem saber por quê ou fizeram besteira em briga de bar e se arrependeram.' Embora haja também, segundo ele, os que defendam o 'sim' para lucrar com o contrabando. 'Os envolvidos com facção dizem que desarmando é melhor. Comprar arma no Paraguai é como comprar doce.'

Marcelo, também preso no CDP, acha que o desarmamento reduzirá a criminalidade. 'A maioria das armas vem na mão dos nóias (viciados). Pegam quando vão roubar carro, casa e vendem baratinho. Já comprei uma, por R$ 150,00. Se proibisse, isso cairia bastante. Com arma, na hora do nervoso, o pessoal sempre faz besteira.'