Título: Brasil e China negociam trégua
Autor: João Caminoto E Paulo Vicentini
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/10/2005, Economia & Negócios, p. B9

Ministro Palocci se reúne hoje com seu colega chinês Jin Renquing para tentar por um fim às tensões entre os dois países

XIANGHE, CHINA - Um novo ponto de partida para as relações entre a China e o Brasil. Este será o assunto do encontro agendado para hoje entre o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, e o ministro de Finanças da China, Jin Renqing. A reunião, solicitada por Palocci, tem o objetivo de abrir espaço para a articulação do fim das crescentes tensões que vêm marcando as relações entre os dois países. As desavenças sino-brasileiras acabaram se transformando num dos principais temas de interesse dos jornalistas estrangeiros que acompanham o encontro anual do G-20, que se encerra hoje. Palocci é visto no exterior como o integrante mais forte do governo Lula. É considerado nos meios diplomáticos o nome ideal para 'criar um clima de melhor entendimento, de reconciliação e de respeito mútuo', como mencionado na semana passada pelo embaixador da China no Brasil, Jiang Yuande, ao quebrar o silêncio sobre a regulamentação das salvaguardas brasileiras contra a importação de produtos chineses.

Em tom cauteloso, Palocci admitiu ontem que há um clima de 'conflito' nas relações econômicas com Pequim, mas observa que elas continuam progredindo. Ele pretende discutir com Renqing os compromissos assumidos pelos dois países no protocolo assinado em novembro de 2004, quando o Brasil reconheceu oficialmente a China como uma 'economia de mercado'. 'Quando esse protocolo foi assinado havia a expectativa de um maior intercâmbio entre Brasil e China', disse Palocci. 'O que ocorreu depois foi uma ampliação do intercâmbio; mas se estabeleceu, nos setores têxtil e de calçados, um certo nível de conflito com a produção nacional.' Ele acrescentou que é preciso um esforço conjunto para que 'esses conflitos gerem oportunidades e não a manutenção das dificuldades'. Segundo Palocci, Brasil e China também precisam se aproximar nas negociações da rodada multilateral da Organização Mundial de Comércio (OMC).

A corrente comercial entre os dois países cresceu vertiginosamente nos últimos anos. Em 2004, ela totalizou US$ 9,1 bilhões, com um aumento superior a 20% sobre o ano anterior.

O ritmo do crescimento das exportações, no entanto, foi absolutamente desproporcional: 72% para a China e apenas 20% para o Brasil. Com isso, o superávit comercial do Brasil caiu de US$ 2,38 bilhões para US$ 1,73 bilhão.

QUEIXAS

A lista de reclamações do Brasil contra a China é extensa e não pára de crescer. Fontes do governo e líderes empresariais destacam os prejuízos causados ao País com a devolução de oito navios de soja no ano passado, a falta de investimentos chineses na infra-estrutura nacional e a lentidão na abertura do mercado de carnes. Mencionam também o recuo chinês no apoio que seria concedido ao Brasil para obter uma vaga permanente no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) e, mais recentemente, o suposto desinteresse de Pequim em restringir voluntariamente suas exportações para o Brasil.

Os chineses, por outro lado, alegam que as cargas de soja estavam comprovadamente contaminadas, além de jamais terem se comprometido com a realização de pesados investimentos na infra-estrutura nacional. Eles lembram que apenas que 'apoiariam a elevação da participação do Brasil nos assuntos da ONU' . E vão mais longe. Uma fonte do governo chinês disse ao Estado, que seu país está sendo 'incorretamente julgado pelo povo brasileiro em virtude da divulgação de uma ampla gama de compromissos políticos e empreendimentos comerciais' que nunca foram efetivamente prometidos. 'O fato é que houve um hiato nas comunicações comerciais e políticas de alto nível entre os dois países após a troca de visitas oficiais dos presidentes Lula e Hu Jintao, ocorrida no ano passado', avalia a fonte.

As tensões entre os dois países parecem ter atingido seu clímax durante as negociações para a restrição voluntária das exportações de produtos chineses para o Brasil. Na avaliação de Pequim, o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Luis Fernando Furlan, constrangeu publicamente o seu colega chinês, Bo Xilai, na forma como anunciou a falta de um acordo após exaustivas negociações. 'Não viemos à China para assinar um acordo qualquer', afirmou.

Pequim mantém os olhos abertos em relação ao recrudescimento de um ambiente anti-China no exterior, mas reconhece que a forte penetração mundial de seus produtos de menor valor agregado contribui para tais manifestações. Por isso, na avaliação de Brasília, pode querer chegar a um acordo para a restrição voluntária de suas exportações. No entanto, como bem frisou Bo Xilai ao final da sexta rodada de negociações para a contenção voluntária de suas vendas externas para os Estados Unidos, a 'China não assina acordos que prejudiquem substancialmente seus interesses nacionais'.