Título: Saddam desafia juiz, chama tribunal de ilegítimo e se diz inocente
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Fonte: O Estado de São Paulo, 20/10/2005, Internacional, p. A18

Julgamento do ex-ditador iraquiano e sete colaboradores foi suspenso até 28 de novembro porque testemunhas não apareceram

No primeiro dia de seu julgamento, o ex-presidente do Iraque Saddam Hussein, de 68 anos, desafiou ontem a legitimidade do Tribunal Especial Iraquiano, criado sob a ocupação americana, e se declarou inocente da acusação de ter ordenado execuções em massa de xiitas em 1982. Sob forte esquema de segurança, a audiência foi realizada numa corte instalada no prédio que foi sede do partido de Saddam, o Baath, na região central de Bagdá. Trata-se de uma região superprotegida por barreiras do Exército dos EUA, na qual os rebeldes raras vezes conseguiram penetrar.

Durante a audiência, Saddam manteve-se calmo e altivo, segurando uma cópia do Corão, do qual chegou a recitar alguns versos. No fim da sessão, ao ser levado embora, reagiu irritado quando dois guardas tentaram pegar em seus braços para escoltá-lo. Ele gritou com os homens e ordenou que tirassem suas mãos dele - o que logo fizeram. Os outros sete réus -entre os quais está o ex-vice-presidente Taha Yassin Ramadan - também se declararam inocentes.

No total, foram três horas de sessão. No fim, depois de ler as acusações de assassinato, tortura e remoção forçada de população - relativas ao massacre de 143 xiitas na vila de Dujail, em 1982 -, o juiz Rizgar Muhammad Amin anunciou a suspensão do julgamento até 28 de novembro. Segundo o juiz, o principal motivo para o adiamento foi o fato de que dezenas de testemunhas no massacre de Dujail não terem comparecido para dar seu depoimento porque estão muito assustadas. Muitos delas são parentes das vítimas massacradas pelo regime de Saddam.

Mesmo sem transmissão ao vivo, os iraquianos se reuniram diante de TVs, em casa ou em lojas. As emissoras do Iraque e de outros países árabes exibiram cenas do tribunal com um atraso de 20 a 30 minutos, para que funcionários pudessem censurar imagens ou depoimentos considerados "muito sensíveis".

Os juízes eram cinco, mas somente Amin, membro da minoria curda, que foi perseguida durante o governo de Saddam, interrogou os réus e teve sua imagem exibida pela TV.

Saddam e seus principais assessores ainda serão levados a julgamento, em datas não definidas, por outros massacres. Os promotores públicos estão para concluir as investigações sobre dois casos de mais ampla dimensão do que a matança de Dujail: a campanha repressiva contra os curdos no fim dos anos 80 e a supressão de uma revolta xiita durante a Guerra do Golfo (1991), quando dezenas de milhares de pessoas foram mortas. No total, Saddam poderá ser acusado pela matança de mais de 300 mil pessoas, na grande maioria xiitas e curdos, os grupos que hoje estão no poder no Iraque.

Apesar de membros do Baath na clandestinidade terem na terça-feira feito um chamado para uma onda de ataques ontem, no início do julgamento, o dia foi relativamente calmo para os padrões recentes no Iraque.

Cerca de 20 pessoas morreram em vários atentados no país.

No Iraque e países árabes vizinhos, a reação popular variou do prazer ao ver Saddam no banco de réus à indignação por ele estar sendo julgado por uma corte criada sob ocupação dos EUA.