Título: Relator pede cassação de Dirceu por esquema de compra de votos
Autor: João Domingos, Mariana Caetano
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/10/2005, Nacional, p. A4

Em seu parecer, Júlio Delgado responsabiliza ex-ministro pela operação para garantir apoio ao governo em troca de dinheiro

Com um relatório contundente, o deputado Júlio Delgado (PSB-MG) recomendou ao Conselho de Ética da Câmara ontem a cassação de José Dirceu (PT-SP). Ao longo da leitura das 62 páginas de seu parecer, ele não usou a palavra mensalão, mas disse que foi montado um esquema para garantir apoio político em troca de dinheiro. E atribuiu ao ex-ministro da Casa Civil responsabilidade política na organização do sistema operado pelo ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares e pelo publicitário Marcos Valério. Uma nova manobra - protagonizada pela deputada Angela Guadagnin (PT-SP), que pediu vistas do texto logo depois da apresentação - adiou para sexta-feira a votação do relatório. "Não é eticamente concebível e muito menos crível que um parlamentar com tamanho poder de decisão e capacidade de articulação em seu partido e no governo tenha permitido que o maior esquema de corrupção do sistema político pelo sistema econômico de que o País tem notícia tenha sido idealizado e praticado por correligionários e pessoas de seu relacionamento sem que ele (Dirceu) soubesse, controlasse e coibisse", disse Delgado em seu voto. Para ele, a cassação de Dirceu, que acompanhou tenso as três horas da sessão, "se impõe como meio de restaurar a dignidade e a credibilidade" da Câmara.

Segundo o presidente do conselho, Ricardo Izar (PTB-SP), a proposta de cassação só não será votada sexta-feira se o Supremo Tribunal Federal aceitar o mandado de segurança dos advogados de Dirceu. "Espero que o STF não interfira indevidamente no processo legislativo", disse Izar, que achou o relatório de Delgado "muito consistente". Com a votação sexta, o plenário da Câmara pode decidir na semana que vem, em votação secreta, o futuro de Dirceu.

No STF, Dirceu argumenta que não pode ser processado porque era ministro e não exercia o mandato parlamentar no período em que é acusado das irregularidades. Mas Delgado avalia que, mesmo licenciado, Dirceu está sujeito às normas do decoro e as violou ao "fraudar, por qualquer meio ou forma, o regular andamento dos trabalhos legislativos para alterar o resultado de deliberação".

Delgado cruzou as datas de votações importantes na Câmara com os saques nas contas de Valério, os empréstimos ao PT e dados da quebra do sigilo telefônico de investigados. Também destacou o empréstimo do Banco Rural à ex-mulher de Dirceu, Angela Saragoça, bem como o emprego que ela conseguiu no BMG por interferência de Valério. "Diante da participação do senhor Marcos Valério nesses episódios da vida particular de José Dirceu é inconteste a proximidade entre ambos."

Para ele, o aparecimento do nome do assessor informal de Dirceu, Roberto Marques, como um dos beneficiários de saques nas contas de Valério - mesmo que o dinheiro não tenha sido pessoalmente sacado por ele - é outra prova do envolvimento entre Dirceu e o publicitário. Delgado ressalta ainda a troca de telefonemas de Marques com Delúbio e com o ex-ministro no período em que ele foi autorizado a sacar R$ 50 mil das contas da SMPB, em meados de junho.

No relatório, Delgado cita o depoimento de Dirceu para apontar contradições no relacionamento entre ele e Valério, bem como a concessão de benefícios a bancos ligados ao PT. Para ele, o Rural e o BMG tiveram benefícios no governo Lula. O BMG passou a liderar o setor de empréstimo consignado a aposentados. O Rural recebeu aplicações do Petros, o fundo de pensão da Petrobrás.