Título: 'Magrão', o primeiro da lista
Autor: Carlos Marchi
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/10/2005, Nacional, p. A14

No dia 29 de setembro de 1975, foi preso, no bairro da Bela Vista, em São Paulo, José Montenegro de Lima, o Magrão, "assistente" da base dos jornalistas no PCB. Um ex-integrante do DOI-Codi contaria que Montenegro foi morto com uma injeção para sacrificar cavalos. Com sua prisão, foi inaugurado o ataque à base dos jornalistas. Antes das prisões, o regime militar executou um rosário de pressões contra José Mindlin, então secretário de Cultura de São Paulo, cujo governador era um liberal, Paulo Egydio. O alvo eram os "comunistas" da TV Cultura. A pressão contou com notas publicadas por alguns colaboracionistas da ditadura que desempenhavam papel de jornalistas. Uma denúncia direta contra Vlado Herzog foi feita à comunidade de informações pelo hoje senador Romeu Tuma (PFL-SP), como noticiou o Estado semana passada.

Sem exceção, todos os jornalistas presos antes de Vlado foram barbaramente torturados; os detidos depois não passaram por tortura. Ele foi procurado na TV Cultura no dia 24. Conseguiu negociar sua apresentação para o dia seguinte. Chegou ao DOI-Codi às 8 horas; no início da tarde estava morto. Não sobreviveu meio dia no centro de torturas da Rua Tutóia.

Com a morte de Vlado arrefeceu a escalada contra os jornalistas, mas prosseguiu a campanha que explorava a ligação do PCB com o MDB. Em dezembro, uma entrevista de Marcelo Gatto e NelsonFabiano ao Estado, protestando contra prisões de militantes ligados a eles em Santos, armou o gatilho da cassação. Em janeiro de 1976, sem dar qualquer explicação, o general Geisel cassou os dois.

A escalada seria bruscamente interrompida pela morte do operário Manoel Fiel Filho, no dia 17 de janeiro de 1976, em circunstâncias dramaticamente parecidas com a de Vlado e de Pedro Jerônimo. Tornara-se hábito dos subterrâneos da tortura "suicidar" presos. Por sua brutalidade, a escalada de 1975 acabou servindo como aglutinador de esferas da sociedade que estavam dispersas e se juntaram pela redemocratização.

A Igreja saiu na frente: mergulhou de cabeça no caso Herzog. Antes, já tinha feito a opção pelas pastorais sociais (a Comissão Pastoral da Terra foi fundada em 1975, lembra o historiador José de Souza Martins). Fiel Filho, por sinal, era um ativo militante da Pastoral Operária conduzida por d. Paulo Evaristo Arns.

Com o caso Fiel, a ditadura se cindiu: o general Geisel, que, em seu depoimento ao CPDOC/FGV justificou a tortura "em alguns casos", mudou de idéia. Demitiu o comandante do II Exército e instalou a primeira etapa de uma lenta, gradual e segura redemocratização, que ainda teve cassações e prisões políticas, mas acabou com as mortes violentas.