Título: A dilapidação do Fust
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/11/2005, Notas e Informações, p. A3

O que aconteceu com o dinheiro arrecadado pelo Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) é mais uma prova de como está cheio de boas intenções o inferno em que se transformou, para o contribuinte, o sistema fiscal brasileiro. O Fust foi proposto em 1997 e sua criação se deu em 2000, para, entre outros objetivos, levar serviços de telecomunicações a localidades com menos de 100 habitantes e estendê-los para as comunidades de baixo poder aquisitivo. O fundo já recebeu recursos estimados em R$ 4 bilhões, mas nenhum centavo foi aplicado nos programas ou serviços para os quais foi criado, como mostrou Ethevaldo Siqueira, em sua coluna de domingo no Estado.

Até agora, os louváveis objetivos do Fust têm servido para alimentar uma incompetente política cuja marca é a disputa pelo controle do dinheiro e também para encobrir uma gestão fiscal que não respeita o que diz a lei sobre a aplicação dos recursos arrecadados, quando o objetivo é gerar superávits primários.

De acordo com a lei, o Fust tem como receitas dotações orçamentárias, metade dos recursos provenientes das vendas de outorgas de telecomunicações, o preço cobrado nas transferências de outorgas de serviços de telecomunicações e a contribuição de 1% sobre a receita operacional bruta dos serviços de telecomunicações (excluídos os impostos). A maior parte de seus recursos provém do faturamento das empresas. São cerca de R$ 800 milhões por ano.

Na semana passada, ao participar de um evento em Florianópolis, o secretário de Telecomunicações do Ministério das Comunicações, Roberto Pinto Martins, disse que em 2006 recursos do Fust deverão ser aplicados em projetos de telefonia fixa. É provável que, também desta vez, estejamos assistindo a uma encenação que se tornou usual. Desde que o fundo foi criado, o governo - este e o anterior - anuncia planos para a aplicação de seus recursos no próximo ano.

Áreas para aplicar os recursos não faltam. Como observou o colunista Ethevaldo Siqueira, além de estender serviços de telecomunicações a pequenas localidades e comunidades de baixa renda, o Fust tem como objetivos levar telefonia individual e a internet, com acesso aberto ao público e em condições favorecidas, para escolas, hospitais e bibliotecas; telefones para órgãos de segurança pública; telefonia rural; e redes de alta velocidade para serviços de teleconferência entre escolas e bibliotecas.

Pela legislação, cabe ao Ministério das Comunicações formular políticas, diretrizes gerais e prioridades para a aplicação do dinheiro do Fust, bem como definir programas, projetos e atividades que serão financiados pelo fundo. À Anatel cabe implementar, acompanhar e fiscalizar os projetos e atividades.

Mas, como observou o colunista, são tantas as exigências burocráticas para a liberação dos recursos que "o Fust parece ter sido criado para que ninguém possa utilizá-lo". Os resultados práticos observados até agora dão-lhe inteira razão. Este caso - espantoso pelo que contém de revelador da má gestão de recursos públicos - não é o primeiro desse tipo nessa área. Como lembrou o jornalista, a partir de 1967, e por mais de 20 anos, os usuários dos serviços de telecomunicações pagaram uma sobretarifa de 30% da conta. O dinheiro extra foi destinado à constituição do Fundo Nacional de Telecomunicações, criado para financiar a ampliação da infra-estrutura. Mas o dinheiro foi jogado na vala comum dos recursos públicos, como está ocorrendo agora com os recursos do Fust.

O dinheiro do Fust que não foi empenhado ou utilizado em exercícios anteriores "caiu em exercício findo", como informou Ethevaldo Siqueira em sua coluna. Não pode mais ser utilizado, devendo ser recolhido ao Tesouro.

Quando o Fust foi criado, dirigentes de empresas de telecomunicações advertiram para o risco de desvio dos recursos. E isso vem acontecendo todo ano. Se o dinheiro arrecadado fosse aplicado no setor, como manda a lei, seus resultados seriam benéficos para todos; do jeito que está, não faz sentido manter esse fundo, dizem. É difícil não concordar com eles.