Título: A marcha das cassações
Autor: Jarbas Passarinho
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/11/2005, Espaço Aberto, p. A2

A CPMI dos Correios tomou iniciativa louvável de listar desde logo os passíveis de cassação, num relatório preliminar. O caso do deputado José Dirceu é sui generis. As vezes que seu advogado bateu às portas do Supremo Tribunal Federal, para obter a protelação do julgamento do deputado, chegaram a provocar atrito entre os dois Poderes. E ainda, mesmo depois de novamente julgado e de novo derrotado no Conselho de Ética por 13 x 1 votos, novo mandado de segurança é impetrado.

Por que a tática dilatória? Se não tem receio do julgamento dos seus pares, qual a razão de procrastinar o próprio julgamento no plenário da Câmara? O segredo é de Polichinelo. O tempo, no caso, dá-lhe oportunidades de mudar a situação desvantajosa.

Depois da entrevista que, mais de dois anos após tomar posse, o presidente da República se dignou dar a alguns jornalistas, desvendou-se uma manobra. A mídia dizia que o presidente e Dirceu estavam rompidos, que o presidente se negou até mesmo a receber, por telefone, os cumprimentos pelo seu aniversário que seu antigo primeiro-ministro tentou transmitir-lhe. O cumprimento teria sido registrado por segunda pessoa. Entretanto, num de seus últimos depoimentos, Dirceu defendeu a reeleição de Lula. Na entrevista ao programa Roda Vida, o presidente retribuiu, dizendo ser um orgulho para qualquer país ter Dirceu como deputado. Em tom misericordioso, porém, lastimou que o deputado, "sem culpa", viesse a ser cassado por motivo político.

Ora, quando o presidente, em face dos escândalos que abalaram o País e provocaram demissões de administradores de alto nível - a começar pelo ministro da Casa Civil -, se disse traído, levou grande parte da opinião pública a pensar que o sujeito oculto de sua oração era precisamente o deputado Dirceu. A palavra do presidente, entretanto, pesa em favor do ex-favorito ministro. Lê-se que já fez até com que alguns petistas chamados radicais mudassem da intenção hostil para a leniência no julgamento. E o deputado não esconde a alegria. Manchete do Estadão estampou essa alegria: Dirceu diz que sua situação mudou da água para o vinho. Inteligente, ou simplesmente esperto, não associa a mudança às palavras encomiásticas do presidente, mas, paradoxalmente, à tática dilatória que lhe tem dado mais tempo para ir à forca, não para ser enforcado, mas para pôr em seu lugar o verdugo. Os próximos dias, que abreviam o ano parlamentar, transformarão o que é lusco-fusco em cintilante claridade.

A Câmara dos Deputados, faz poucos dias, absolveu o deputado Sandro Mabel (PL-GO) - 108 votos lhe foram contrários, apesar de ter saído do Conselho de Ética absolvido por unanimidade. Não corro o risco de encomendar minha alma ao inferno julgando culpado o deputado goiano, mas, velho no trato com o Congresso, ficam-me algumas perguntas sem resposta.

É a deputada Raquel Teixeira conhecida vigarista, assim tida por seus pares? E será tão desacreditada que o governador de Goiás, há muito tempo, nela acreditou quando a deputada delatou o colega da Câmara? Se o governador, que nos merece respeito, tivesse a deputada em má conta, tê-la-ia nomeado para o seu secretariado? Justifica-se a imagem de vítima de chantagem, que o deputado passa ao público, quando ora fervoroso na Catedral de Brasília, enquanto é absolvido por falta de provas? Quais provas poderia colher a deputada Raquel Teixeira, que ainda passa por enfrentar a ira de amigos do deputado, insinuando dever ela ser cassada pelo crime de não apresentar provas em casos que jamais seria fácil tê-las, se não confessadas?

Insisto: não acuso quem não tenho por que acusar, mas me deixo impressionar por indícios, que corroboram a manobra de captação de colegas para o PL do presidente Valdemar Costa Neto, que preferiu renunciar para não perder os direitos políticos, se incriminado fosse numa inquirição da CPI, que comprovou a remessa de milhões de reais para o partido, do qual o vice-presidente da República se desligou, a permitir que julguemos que Sua Excelência se sente mal na companhia do partido de que o deputado Sandro Mabel é líder na Câmara.

Longe de querer imitar - que para tanto me faltam engenho e arte - o discurso de Antônio carregando o cadáver de César, não continuarei a falar da deputada que nunca vi, mas de quem nunca ouvi a menor restrição moral, ao passo que o nobre deputado Sandro Mabel é digno e brilhante líder de bancada, não somente exemplar congressista como louvado patrão por pagar em dia a todos os seus empregados, respeitar religiosamente os direitos trabalhistas - como disse um deputado que se inscrevera "para falar contra ele"! -, um homem que jamais seria capaz de oferecer o tão falado vil metal para corromper quem quer que seja. Não precisa beneficiar-se de falta de provas, ele mesmo é a prova da decência. Como não o conheço e nunca cometeria a indignidade de levantar suspeitas contra um homem de bem, rendo-me ao julgamento de seus 340 pares. Os outros 108 devem ser ignorados.

Já o Professor Luizinho, esse me deixa em terrível dúvida. Valeria menos que um deputado estadual de Rondônia, que recebe R$ 50 mil cada? O professor não retirou do caixa do banco os miseráveis R$ 20 mil. Foi um assessor e sem seu conhecimento. Num país em que ninguém sabe de nada, o professor leva desvantagem, mas me inclino a lhe dar o benefício da dúvida, quando explica: "E não é caixa 2, pois foi (o dinheiro) para o processo do PT."

Processo do PT? Entenda quem entender de valores não contabilizados...