Título: Paquistão recebe ajuda inútil, diz voluntário
Autor: Luciana Garbin
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/11/2005, Internacional, p. A15

Milhares de calças jeans doadas estão espalhadas no chão gelado do Paquistão, enquanto refugiados do terremoto que assolou o país no começo do mês passado sofrem à noite com o frio. Quem conta é o voluntário brasileiro Sylas Silveira, de 59 anos, que passou 15 dias ajudando a resgatar vítimas da tragédia, entre escombros de cidades paquistanesas. "O mundo tem de se organizar melhor para ajudar vítimas de catástrofes", diz Silveira, que voltou ao Brasil na semana passada. "Tudo é enviado sem muito critério. País muçulmano não usa roupa pronta. O que havia de jeans espalhados pelo chão era inacreditável." Para ele, que com recursos próprios já viajou para ajudar vítimas no México, Argélia, Colômbia, Equador, Irã e na tragédia do tsunami no Sri Lanka e Índia, o Paquistão continua muito necessitado, mas o ideal é que a comunidade internacional ajude com cobertores, panos para enrolar no corpo e kits de alimentação leve e de alto valor nutritivo. O voluntário brasileiro, conhecido como uma espécie de Dom Quixote nas embaixadas, passou por dezenas de cidadezinhas entre Balakot, Muzaffarabad e Islamabad. Sempre que algum país é devastado por terremoto, ele se apresenta, carregando cortadeiras e vestindo camisetas do Brasil. Diz que no Paquistão ainda há muitas regiões sem socorro, principalmente por causa dos deslizamentos que bloquearam estradas. Também acha que o total de mortos supera os oficiais 76 mil, porque muita gente foi enterrada sem cadastro. "As pessoas não comunicam a morte, lá eles não são muito chegados a estatísticas." Outra coisa que chamou sua atenção foi o desaparecimento de cursos d'água. "O solo afrouxou, surgiram grandes rachaduras e a água das nascentes, que colonos usavam para matar a sede, secou. Foi sugada pela terra."

Acostumado a tragédias, Sylas diz que foi no Paquistão que viu o maior índice de destruição de sua vida. "Em muitas cidades, não sobrou um único prédio em pé. O tsunami também foi devastador, mas pegou fatias pequenas, em diversos lugares. Em Balacote conheci família de 25 pessoas das quais morreram 15, trabalhamos num colégio onde 160 meninas morreram."

Silveira soube da tragédia pela TV no sábado, 8 de outubro. No domingo, foi pedir visto em Brasília. A mãe Idalina, de 87 anos, desesperou-se. Já imaginava o que o filho ia aprontar. No domingo, horas depois de saber que ele já estava em Brasília atrás de visto, deu entrada na UTI do hospital. Sylas pensou em desistir. Mas, com as imagens se sucedendo nos telejornais, ele decidiu embarcar.

A viagem foi longa - 40 horas. Conseguiu chegar só na quarta-feira, às 7 horas. Funcionários do Itamaraty vieram recebê-lo e lhe falaram sobre um médico que havia transformado o pátio de casa em Islamabad num hospital. Sylas pegou a cortadeira e, às 15 horas do mesmo dia, já estava trabalhando. "Íamos buscar os sobreviventes, enquanto os cadáveres iam sendo enterrados nas praças, casas, em qualquer lugar. Lá eles não têm o hábito de manter cemitérios coletivos. Enrolavam os corpos num plástico, num cobertor e iam enterrando."

Fluente apenas no português, Sylas só fala algumas palavras de inglês e ri ao lembrar que dizia cut, cut, de cortar, para tudo. Depois de alguns dias com o médico, militares paquistaneses lhe deram um jipe com motorista e três militares, que iam com a marreta enquanto ele usava a cortadeira para romper as treliças de ferro das ruínas de concreto. Trabalhou duro e anima-se ao contar que conseguiu resgatar seis pessoas com vida. Na despedida, como forma de reconhecimento, um general o beijou no rosto, enquanto quem estava em volta gritava: Brasil, Brasil. E uma entidade paquistanesa mandou pedido de condecoração para Sylas ao Itamaraty. O voluntário voltou por causa das delicadas condições de saúde da mãe, que se recuperou dois dias depois de revê-lo.

Após reassumir a direção de sua empresa em São Jerônimo, cidade a 64 quilômetros de Porto Alegre, ele estuda montar algum tipo de guia com orientações logísticas sobre ajuda em tragédias.