Título: EUA e Europa não convencem
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/10/2005, Economia & Negócios, p. B6

Brasil considera insuficientes as propostas apresentadas: 'Não é ainda o que queremos', diz Celso Amorim

ZURIQUE - Pressionados e tentando movimentar as negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC), Estados Unidos e a Europa apresentaram ontem em Zurique, em uma conferência de ministros, os respectivos pacotes para a reforma do comércio agrícola. Washington quer um primeiro corte de 53% do orçamento total para os subsídios em 5 anos e redução de 83% para os europeus. A eliminação completa de todos os subsídios e de tarifas de importação ocorreria em 2023. Os europeus responderam com uma contra-oferta mais protecionista e sem melhora no acesso a mercado, o que não agradou ao Itamaraty. O Brasil considera a iniciativa americana "politicamente positiva" para fazer o processo avançar, mas ainda insuficiente em termos de reduções de subsídios. "Não é ainda o que queremos", afirmou o chanceler Celso Amorim.

Americanos e europeus apresentaram proposta a 9 semanas da conferência ministerial da OMC em Hong Kong, que determinará o ritmo da liberalização dos mercados agrícolas no mundo.

Segundo os cálculos do Ministério da Agricultura, o corte proposto pelos Estados Unidos consolida os subsídios existentes hoje. Os americanos têm direito de dar subsídios em valores mais altos do que concede de fato aos agricultores. Atualmente, a Casa Branca pode dar até US$ 47 bilhões por ano, mas concede pouco mais de US$ 20 bilhões.

Os americanos ainda sugerem 60% de corte em subsídios domésticos em 5 anos, mas querem que os europeus e japoneses promovam uma redução em 83%. Rob Portman, representante de Comércio da Casa Branca, insiste que esse corte será "dramático". Celso Amorim, porém, acredita que o corte deva ser de 70% para ter algum efeito.

EXIGÊNCIAS

Para o ministro de Agricultura do Japão, Mineichi Iwanaga, há exigência de um esforço maior do país dele do que dos Estados Unidos. "Tóquio simplesmente não pode considerar a proposta americana como uma base para o debate."

Os americanos ainda concordam em colocar um teto de 2,5% do valor da produção agrícola em determinados subsídios domésticos, conhecidos como Caixa Azul.

Mas, sem qualquer disciplina orientando o uso, analistas temem que a proposta simplesmente se transforme em novos programas. "Se essa oferta prevalecer, os subsídios distorcivos vão permanecer intocáveis", disse Celine Charveriat, da entidade Oxfam.

Washington propõe que apenas 1% de linhas tarifárias em cada país ganhe proteção especial. No caso americano isso significaria a escolha de 17 produtos sensíveis que manteriam tarifas mais elevadas. Para a Europa, seriam 20 produtos - Bruxelas queria 200 produtos.

No que se refere ao cronograma, a proposta americana é dividida em três etapas. Nos primeiros 5 anos, cortes progressivos de tarifas e de subsídios domésticos. Em 2010, o fim dos subsídios à exportação e período de consolidação. A última fase de ajustes a um sistema sem subsídios iria de 2018 a 2023.

Robert Portman, representante comercial dos EUA, porém, diz que esse projeto só será possível se os europeus promoverem maior acesso a seu mercado. "Estamos reduzindo os subsídios de nossos produtores com a promessa de dar maior acesso a mercados para suas exportações. Se não houver isso, não consigo vender o acordo internamente."

EUROPEUS

Celso Amorim admite que a proposta americana entrega aos europeus a responsabilidade de apresentar idéias sobre corte de tarifas. O chanceler, porém, não nega que saiu da reunião de ontem decepcionado com a falta de sinalização nesse sentido por parte de Bruxelas.

A UE apenas apresentou contra-proposta esclarecendo que não poderá cortar os subsídios domésticos em 83%, como querem os americanos, mas em 70%. "Não temos como fazer isso", afirmou um negociador europeu. Em termos de reduções de tarifas, os europeus estipulam que as taxas de importação acima de 90% terão corte de 50%. E não há indicação de uma data para o o fim dos subsídios à exportação.

Neste cenário, o Brasil acredita ser cedo para falar em concessões em áreas de interesse dos países ricos, como produtos industriais e serviços. Peter Mandelson, comissário de Comércio da Europa, acredita que o Brasil começa a ceder no que se refere aos bens industriais.

Os europeus indicaram ontem estarem dispostos a cortar tarifas sobre manufaturados para um teto de 10%. Já no setor de serviços, a idéia é de que cada país indique um número mínimo de áreas que seriam liberalizadas.

Hoje, as negociações entre os ministros continuam, desta vez em Genebra. Para muitos delegados, se a semana terminar sem entendimento mínimo, o fracasso de Hong Kong poderá ser cada vez mais uma realidade.